REFORMULAÇÕES NO ECA

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No dia 13 de Julho de 2010 a Folha de São Paulo trouxe uma matéria sobre as modificações que ocorrerão com a Lei 8069/1990 (Estatudo da Criança e do Adolescente).

Abaixo descrevo na íntegra o que trouxe a reportagem.

Ivan C. Guedes

ECA, 20, pode mudar para evitar reclusão de jovens

Estudo encomendado pelo governo aponta encarceramentos em excesso. Pesquisa constata violações de direitos e será base para mudar Estatuto e da Criança e do Adolescente

JOSÉ BENEDITO DA SILVA

DE SÃO PAULO

Vinte anos completados hoje, o Estatuto da Criança e do Adolescente deverá passar por uma reforma para corrigir seu principal defeito, segundo estudo contratado pelo governo federal: excesso de privação de liberdade.

Levantamento de 2009 mostra que, de 17.856 jovens infratores que cumpriam medidas socioeducativas no país, 15.372 estavam atrás das grades (86% do total).

A nova alteração do ECA -a 12ª da sua história-, em discussão no Ministério da Justiça, quer mudar essa cultura do Judiciário.

Os juízes têm se inclinado pela reclusão em vez de aplicar outras medidas como liberdade assistida (sem reclusão, mas com acompanhamento) ou semiliberdade (reclusão só à noite).

O estudo, feito pela Universidade Federal da Bahia –escolhida por edital-, conclui que o Judiciário interna muitas vezes sem provas, sem fundamentação legal e em audiências precárias.

Segundo o secretário de Assuntos Legislativos do ministério, Felipe de Paula, o trabalho subsidiará discussão com o Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente) e outros órgãos, como a Secretaria Especial de Direitos Humanos.

O ponto fundamental do estudo é que juízes não têm garantido aos adolescentes os direitos que o Código Penal garante para qualquer um, como audiências presenciadas por testemunhas.

“Você não pode criar um sistema que seja mais severo do que o do adulto”, diz Maria Gabriela Peixoto, coordenadora-geral da equipe de direito penal do ministério.

É comum também que jovens sejam internados como medida protetiva, com motivos como “falta de estrutura familiar”, algo que não seria feito para um adulto.

ALGEMAS

O estudo, feito em seis Estados e no STJ (Superior Tribunal de Justiça), listou violações de direito como audiências de três minutos e sem atuação efetiva da defesa. Também foi detectada a quase impossibilidade de o jovem recorrer ou esperar o julgamento em liberdade.

As apreensões em flagrante sem liberação chegam a 91% (em Porto Alegre). E nas audiências é corriqueiro o uso de expressões do direito penal de adultos, como “prisão” e “condenado”. Em Porto Alegre, é comum o uso de algemas até na audiência.

Na fase policial, há falhas como não informar a família. Na capital gaúcha, nos 11 processos examinados, a família não foi contatada em razão de “falha telefônica”.

É uma resposta à sociedade, diz Malheiros

Para desembargador do TJ-SP, decisões por internar refletem senso comum sobre “delinquência juvenil”

Para ele, muitos casos poderiam ser evitados; presidente da Fundação Casa critica excesso de reclusões de jovens

DE SÃO PAULO

Há realmente internações em excesso pelo Poder Judiciário, mas, quando manda um adolescente infrator para uma unidade de internação, o juiz está apenas “dando uma resposta à sociedade”.

É o que pensa o desembargador Antonio Carlos Malheiros, coordenador de Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SP, que vê os juízes como uma “caixa de ressonância” da sociedade.

Para ele, há casos desnecessários de internação. “Todo juiz tem direito de decidir como quiser, mas muitos casos poderiam ser evitados.”

Segundo Malheiros, boa parte das internações envolve drogas, mas ele diz que, mesmo nessas ocorrências, a internação deveria ser a última alternativa. “Muitas vezes, o jovem é primário, a quantidade de droga é pequena, poderíamos evitar.”

A avaliação de Malheiros coincide com uma das conclusões do estudo feito por pesquisadores da UFBA para o Ministério da Justiça.

Segundo o trabalho, a imposição da internação revela, por parte dos juízes, posições que “comungam com o senso comum sobre a criminalidade em geral e a delinqüência juvenil, em particular”.

CÓDIGO DE MENORES

Para a presidente da Fundação Casa, Berenice Gianella, o comportamento dos juízes mostra uma certa resistência aos princípios do ECA. “Há uma leitura como se o Código de Menores ainda vigorasse”, diz, referindo-se à legislação anterior ao ECA, com visão mais punitiva.

Segundo ela, o total de internações aumentou, mesmo com a queda do número de adolescentes apreendidos. “Houve uma queda dos crimes graves e um aumento dos casos de tráfico de entorpecentes”, afirma. “Mas o tráfico não é crime com previsão de internação pelo ECA. Só se for reincidente”, disse.

ESTRUTURA

Ariel de Castro Alves, do Conanda (Conselho Nacional da Criança e do Adolescente), aponta outro problema. “Reduzir as internações depende de haver programas como liberdade assistida e prestação de serviços comunitários implantados.” Para ele, essa falta de estrutura deixa, muitas vezes, os juízes sem opção. “É preciso que haja uma estrutura de programas até para que a internação seja mesmo a última alternativa”, afirma.

Ministério não vai se furtar ao debate, diz secretário

DE SÃO PAULO

A discussão sobre se deve ou não alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente para reduzir o número de internações pela Justiça é um debate que tem de ser feito e do qual o governo não irá se furtar, diz Felipe de Paula, secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça.

“Se foi detectado um problema grave na execução disso [do direito penal dos adolescentes], é nosso dever pensar numa alternativa.” Leia abaixo a entrevista:

Folha – O Ministério da Justiça vai usar o estudo para propor alguma mudança do ECA?

Felipe de Paula – Pode ser que tenha uma proposta de alteração legislativa. É uma possibilidade, mas tem de ser construída conjuntamente, como uma posição de governo, não só do ministério. O que é importante é a gente, com base nesses dados que colhemos, conversar com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, com o Conanda, com a sociedade civil, para validar uma proposta de alteração legislativa. Então, é um processo que é coletivo, mas que a gente não pode se furtar a fazer.

O que aponta o estudo?

Que o número de internações é alto. O tipo de situação que está levando a internações, com decisões com baixa fundamentação legal, com princípios de processo penal que poderiam ser mais bem aplicados para crianças e adolescentes, isso de fato foi constatado na prática. Não é nenhuma crítica ao Poder Judiciário, nada disso. Mas é uma constatação de uma situação que precisa ser mais bem resolvida. É preciso pensar em aplicação dos princípios do processo penal para crianças e adolescentes. Para que esses menores não fiquem três anos [encarcerados]. Para que não fiquem privados de liberdade mais tempo do que um adulto pelo mesmo fato.

Juízes argumentam que falta estrutura para alternativas à internação, como semiliberdade e liberdade assistida…

Mas não se pode determinar uma internação exagerada porque, eventualmente, não há outras alternativas. Você não pode nunca, sem justificativa, privar alguém de liberdade por três anos. Numa situação como essa, a solução da Justiça não pode ser “interne-se”. Isso é completamente longe da realidade do direito penal.

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About the Author

Ivan Guedes

Prof. Dr. Ivan Claudio Guedes, Geógrafo e Pedagogo. Professor de Geografia na educação básica e Docente do curso de Pedagogia da Faculdade Progresso. Coloca todo o seu conhecimento a disposição de alunos acadêmicos, pesquisadores, concursantes, professores, profissionais da educação e demais estudantes que necessitam ampliar seus conhecimentos escolares ou acadêmicos.

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