A REFORMA DO ENSINO MÉDIO: 1400 horas
A reforma do Ensino Médio trouxe a ampliação da jornada anual passando de 800 horas para 1400 horas. A princípio parece ser uma boa iniciativa. Mas, vamos detalhar melhor este assunto.
A Medida Provisória 746/2016, que trouxe a reforma do Ensino Médio tem sido amplamente discutida nesta coluna. Este é o quarto artigo sobre o tema. O primeiro artigo tratou da falta de infraestrutura nas escolas brasileiras. O segundo discutiu sobre o “Notório Saber”. O terceiro tratou da falta de diálogo do MEC com a sociedade. Este aqui vai discutir a questão da jornada escolar anual.
Reforma do Ensino Médio: discussões legais
A Medida Provisória 746/2016 alterou alguns artigos da Lei n. 9.394/1996 trazendo a seguinte redação:
“Art. 24. A educação básica, nos níveis fundamental e médio, será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: I – a carga horária mínima anual será de oitocentas horas, distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos exames finais, quando houver (…) Art. 31. A educação infantil será organizada de acordo com as seguintes regras comuns: II – carga horária mínima anual de 800 (oitocentas) horas, distribuída por um mínimo de 200 (duzentos) dias de trabalho educacional (…) Parágrafo único. A carga horária mínima anual de que trata o inciso I do caput deverá ser progressivamente ampliada, no ensino médio, para mil e quatrocentas horas, observadas as normas do respectivo sistema de ensino e de acordo com as diretrizes, os objetivos, as metas e as estratégias de implementação estabelecidos no Plano Nacional de Educação”.
Ao analisarmos o Plano Nacional de Educação, verificamos na meta 6 (Educação Integral) a intenção de ampliar as escolas de Educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, atendendo, pelo menos 25% dos alunos da Educação Básica até 2024. Dados de 2014 do MEC/Inep apontam que 42% das escolas públicas da Educação Básica oferecem matrículas em tempo integral.
Muita gente erroneamente relaciona tempo de estudos com qualidade na educação. O que é uma relação não verdadeira. É preciso pensar o que se faz na escola durante este tempo.
Ensino Médio: Quantidade não é qualidade!
Quando consideramos a média geral de tempo de estudos no Brasil, observamos o irrisório tempo de 4 horas diárias na escola. Porém, é preciso lembrar que o Brasil possui 26 Estados (mais o Distrito Federal) e uma rede de 5570 municípios. Cada caso é um caso e cada realidade é uma realidade. De qualquer forma, o mínimo proposto são as 800 horas anuais distribuídas pelos 200 dias letivos.
Antes da LDBEN 9.394/1996 entrar em vigor, as escolas no Brasil tinham 180 dias letivos. Acrescentar 20 dias letivos, a princípio, foi algo muito positivo. Porém, gostaria de levantar a seguinte questão: será que os 200 dias letivos realmente são cumpridos?
Reforma do Ensino Médio: proposições e discussões
Considere que os calendários escolares iniciam-se na primeira semana de Fevereiro e terminam após o dia 20 de Dezembro. Geralmente encerram o calendário escolar entre os dias 21 e 23 de Dezembro. Pergunta: quantos alunos você já viu frequentando a escola após o dia 01 de Dezembro? E após o dia 10 de Dezembro e no dia 20 de Dezembro?
Infelizmente, o jeitinho brasileiro fez com que parte do calendário escolar fosse contemplado do ponto de vista administrativo, mas não efetivo. Considera-se dia de trabalho educacional ou dia letivo, o efetivo cumprimento das propostas pedagógicas-educacionais juntamente com professores e alunos. Obviamente que ninguém aqui está falando em aula do tipo giz, lousa, livro e caderno. O dia letivo pode ser considerado também eventos educacionais, saídas de campo, atividades ao ar livre, enfim, tudo aquilo que envolve o processo de ensino e aprendizagem e que esteja de acordo com as diretrizes curriculares e com o planejamento da escola.
Talvez este item fosse necessário rever, já que os 200 dias letivos é uma falácia e só serve no papel.
Outro ponto importante para discutir aqui é sobre a ampliação da carga horária. Há um ditado popular que diz “quantidade não é qualidade”, e com razão. Pensando no processo escolar, o que vale mais: 2 horas lendo com atenção um livro ou 4 horas em sala de aula ouvindo música em fone de ouvido e fazendo cópias? 2 horas em uma roda de discussão sobre um tema específico, com atividades diversificadas, produção textual e pesquisa ou 4 horas copiando texto da lousa e respondendo questões objetivas?
Ensino Médio: como está não dá para deixar!
Precisamos também discutir a qualidade do tempo que se passa nas escolas. De nada adianta aumentar de 4 horas diárias para 8 horas sem mexer na organização da sala de aula. Também de nada adianta colocar o aluno 8 horas por dia em uma sala de aula assistindo aula (mesmo que seja com qualidade). É preciso pensar em uma escola com jornada ampliada sem a estrutura tradicional das aulas de 50 minutos. É preciso maximizar o tempo útil de estudos coletivos e solitários. Leituras solitárias de livros, pesquisas em diferentes materiais, produção de oficinas direcionadas e outras atividades que, não só ocupem o tempo do aluno, como também contribua efetivamente para o seu processo de desenvolvimento cognitivo e físico.
Neste sentido, a MP 746/16 não prevê nenhuma forma de reorganização estrutural das escolas. As aulas continuarão sendo de 50 minutos, estanques e com conteúdos previamente definidos de acordo com a Base Nacional Comum Curricular. A propósito, não se engane aqueles que acreditam que a base será responsável só por 60% dos currículos e que os 40% restantes ficarão “livres” para a escola. Essa balela já existe e, na prática, o currículo mínimo se transforma no máximo, mas isso já é outra discussão.
Por fim, para que não reste dúvida, entendo piamente que essa questão dos 200 dias letivos seja um engodo. Algo que, como já afirmado acima, só funciona no papel. Quando às 1400 horas, vejo com bons olhos. Vejo com bons olhos desde que a escola tenha liberdade para reformular sua estrutura de aulas fragmentadas de 50 minutos, com uma grande rotatividade diária de professores que se desesperam em cumprir o “currículo mínimo”.
Ivan Claudio Guedes, 36.
Geógrafo e Pedagogo
[email protected]
Para citar este artigo
GUEDES, I.C. Reforma do Ensino Médio:1400 horas. Gazeta Valeparaibana [Online] São José dos Campos, 01 jan. 2017. E Agora José? Debatendo a educação. Disponível em http://gazetavaleparaibana.com/110.pdf Acesso em 11 jan. 2017.
Caro Professor Ivan Guedes,
Eu li sua matéria acima e concordei em todos os aspectos levantados. Estou no último ano de Licenciatura, cursando Geografia. Na realidade ao ver o horrível cenário Educacional, também reparo e equiparo com outras áreas que existem no Brasil. Assim como, Segurança e Saúde. Eu vejo que tudo não passa do papel, e na prática essas três áreas estão sendo manipuladas por políticos através de números para geração de votos.
Ratifico, as áreas de Educação, Saúde e Segurança estão falidas no Brasil. Tudo não passa, como o Senhor citou, do papel. São apenas números que são passados para impressionar a sociedade, quando na realidade não é nada disso, e o que realmente presenciamos são instituições acabando em míngua para atingir suas metas de “papel”.
Vejamos um simples exemplo:
O Policial não pode combater o crime porque não há respaldo e Lei que o protege se ele agir da forma que realmente deve, devido ao “direitos humanos proteger os errados”.
O(a) Professor(a) também, não pode agir na sala de aula por quê? Devido ao “ECA – Estatuto da Criança e Adolescente, muitos artigos da Lei precisam ser analisados e reformulados”.
Na saúde, os agentes não podem agir da maneira correta, por quê? Falta infraestrutura, etc, etc.
Ou seja, tudo é uma falácia, enganam a sociedade.
O Brasil precisa despertar! Como o Professor Villa – Historiador e comentarista do Jornal da Cultura diz: “O Povo tem que ir as ruas, é preciso Proclamar a Independência, e acabar de vez com um Estado corrupto que temos hoje e, que estão destruindo os princípios e direitos dos cidadãos”.
Grande abraço.
Wildenes
Cursando Licenciatura em Geografia
Olá, fico feliz em saber que estamos confluindo em alguns pensamentos.
Venho tentando construir minha análise há algum tempo. No texto há links para os outros textos. De qualquer forma, tenho muito para estudar e compreender sobre este assunto.
Entendo que nossa legislação carece de uma análise mais aprofundada. Via de regra, ela é construída a partir de interesses de um determinado grupo social. Cabe à sociedade discutir se ela é válida, ou não.
Com relação ao Prof. Villa, não curto muito. Ele tende a fazer uma análise partidária sobre diversos aspectos. Porém, eu o respeito.
Um forte abraço e bons estudos.
Ivan
Bom dia professor!
Muito coerente suas colocações! Obrigado por compartilha-las! Me ajudam muito em meus estudos.
Fico muito feliz em poder ajudar e contribuir com o debate. Um forte abraço.
Fiquei Muito Interessado pelo seu post.Vou acompanhar seu Blog que é muito bom. É TOP ! Esse tipo de conteúdo tem me agregado muito conhecimento.Grato !