QUEM FALTA FAZ FALTA
Como driblar a evasão escolar e maximizar o corte de custos na educação.
Que a evasão escolar é um problema nacional, principalmente no Ensino Fundamental II e Médio, isso ninguém discorda. O grande problema é: Por que esses jovens faltam tanto ou evadem à escola? Necessidade de ajudar financeiramente suas famílias? Não se encontraram na escola? Cerceamento da sua liberdade de expressão? Não encontraram significado na escola? Ou simplesmente por que não quiseram mais ir para a escola?
Quando se discute ausência escolar e evasão, deve-se levar em conta que cada caso é um caso. De qualquer forma, ainda que este problema seja um problema sociológico, é preciso deixar bem claro que isso também se reflete em um problema econômico de curto, médio e longo prazo, a saber: A curto prazo, entende-se que a evasão vá trazer um maior custo para quem financia a educação, já que este está ocupando a vaga de alguém que poderia estar estudando; A médio prazo, uma vez que o jovem tende a voltar para a escola (na modalidade EJA), sendo necessário mais investimentos e; a longo prazo, quando este jovem ingressar no mercado de trabalho sem competências e habilidades mínimas para exercer alguma profissão, uma vez que não foi devidamente trabalhado na escola.
De qualquer forma, governos se articulam para minorar a problemática da evasão. Novas propostas curriculares se articulam, diferentes compras de materiais tecnológicos são feitas, campanhas para trazer o aluno de volta para a escola são realizadas e até a “ajuda” do Conselho Tutelar é requerida.
É louvável e até importante que se queiram articular diferentes planos para garantir que o jovem não evada a escola, porém, há que se trazer ao debate as políticas que não se preocupam em trazer o jovem para a escola porque estão pensando no futuro da sociedade, e sim em cortar custos e elevar índices, e é sobre isso que se trata esse artigo. Mais especificamente, um projeto do Estado de São Paulo.
“Quem falta faz falta”. É com esse slogan que a Secretaria de Estado de Educação de São Paulo lançou em 19 de agosto de 2015 a Resolução SE 42 que institui o programa que leva este nome. O programa apresentado tem como único objetivo “Reduzir ainda mais o número de faltas e o abandono escolar no Estado” (SECRETARIA DA EDUCAÇÃO, 2015) e é exatamente sobre este ponto que será dada esta discussão. No vídeo institucional citado é alegado que as Diretorias de Ensino e as escolas já realizam vários movimentos para reduzir o número de falta, novamente é afirmado que isso “já se reflete através dos indicadores de aprovação e na redução da reprovação por faltas”.
Inicialmente é preciso destacar que já publicamos algumas reflexões sobre a questão da falta e do abandono escolar, inclusive apresentando algumas dicas de como o professor, o coordenador pedagógico e o diretor de escola devem tratar essa questão. Abaixo é possível verificar os endereços para esses dois artigos.
A legislação brasileira traz para o poder público a responsabilidade sobre a permanência do jovem na escola, porém, na prática o que acontece é que muitos não querem ou não podem frequentar a escola. No papel, cabe ao poder público e aos pais zelar pela aprendizagem do aluno (basta consultar a Constituição Federal, o Estatuto da Criança e do Adolescente e as Diretrizes e Bases da Educação Nacional).
O nó na garganta se dá ao refletir sobre o projeto “Quem falta faz falta” se dá sobre aquele aluno que não foi para escola ao longo do ano pelo simples motivo de não querer ir pra escola, pois nada ali lhe despertava o interesse e a motivação para frequentar aquele lugar. Na prática, este projeto se articula de uma forma com que, independente de qualquer coisa, fará com que o aluno seja promovido.
No limite, o aluno foi chamado junto com seus pais e foi oferecido uma oportunidade impar: fazer um “trabalhinho” para passar de ano. Imagine que supostamente este aluno não vá apresentar o tal trabalho solicitado. Sabe o que vai acontecer? Adivinhe: vai passar de ano, vai ser promovido, vai ser empurrado para a série seguinte e aqui vou levantar dois pontos: (1) alguns dirão: “mas a vida vai ensinar este jovem” e, (2) “não é justo que eu tenha me esforçado o ano todo para que ele também fosse promovido sem fazer absolutamente nada”.
O que se observa é que o Governo de São Paulo tem tomado medidas desesperadas para conter custos com a educação. No final de 2014 (logo após as eleições) foi cortada a verba de manutenção das escolas e a verba de papelaria. Chegamos ao absurdo de ver professores levando giz e papel higiênico para as escolas. Não somente em 2014, mas no corrente ano, o corte de verbas continuou. Foi diminuído drasticamente a verba de papelaria, a verba de manutenção e o corte 100% da verba para realização de projetos (PRODESC) e do Programa Cultura é Currículo, isso sem falar no fim do projeto “Residência Educacional” e no corte dos programas “Escola da Família” e “Bolsa Alfabetização”.
No início de 2015 pipocaram várias denúncias sobre fechamento de salas de aula com superlotação de alunos e no segundo semestre essa medida mais recente da “reorganização” que pretende fechar 94 escolas. Observa-se claramente a “importância” que se dá à educação.
Será que realmente está correto o que o Estado de São Paulo está fazendo? Aprovar o aluno sem critérios mínimos de aprendizagem só para conter custos e elevar índices é uma boa opção? Alguém já parou para calcular o custo social da aprovação automática que se instalou neste país? Alguém já parou para pensar que essa aprovação automática já chegou ao ensino superior e hoje os médicos se formam sem noções básicas de biologia? Advogados não conseguem interpretar uma lei? Professores que não tem proficiência na leitura? Professores de matemática que não sabem matemática? Engenheiros que não sabem diferenciar solo de rocha?
Você acredita que um aluno que não frequentou essa escola que não lhe ofereceu atrativo ou significância mínima para sua aprendizagem, e que fez no final do ano um “trabalhinho”, realmente aprendeu alguma coisa? Pois é caro leitor, é assim que vai acontecer neste ano.
Um feliz natal e um próspero ano novo!
Artigo publicado originalmente em:
GUEDES, I. C. Quem falta faz falta. Gazeta Valeparaibana [online]. São José dos Campos, 01 dez. 2015. Discutindo a educação – Debatendo a Educação. Disponível em: <http://www.gazetavaleparaibana.com/097.pdf> Acesso em 05 jan. 2015.
Ivan Claudio Guedes, 35.
Geógrafo e Pedagogo
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SECRETARIA DA EDUCAÇÃO. Conheça o projeto Quem falta faz falta. Disponível em: <https://goo.gl/0Nv5jx> Acesso em 24 nov. 2015. Veja o vídeo abaixo.