PROFESSORES, REALMENTE ACORDEM!
Economista de formação, Gustavo Ioschpe ataca professores, escola e pensamentos pedagógicos.
Em 11 de maio deste ano o economista Gustavo Ioschpe, articulista da veja, publicou um ilustre artigo tecendo suas críticas (novamente) aos professores. Independentemente de o referido conter sérios problemas mal resolvidos na infância, ou se ele é pago para escrever tais bobagens, não vamos nos ater a isso, pois não levaria a nada, e sim no que se discutiu no artigo. Para quem quiser ler o artigo, basta acessar a página http://veja.abril.com.br/noticia/educacao/professores-acordem.
Em primeiro lugar, se o Gustavo acredita que “a educação só vai avançar quando houver demanda pública por melhorias”, porque ele sempre só critica o setor público e elogia o privado? Será que realmente as escolas particulares são tão boas assim? Da mesma forma que existem bons colégios particulares, existe péssimos colégios particulares. Devemos lembrar que muitas escolas particulares são tão “depósitos de crianças” quanto às da rede pública. Se na rede pública existe a aprovação automática, na particular existe o padrão PPP (Papai Pagou Passou).
A princípio, Ioschpe ataca os professores dizendo que “o discurso é sempre o mesmo: o professor é um herói, um sacerdote abnegado” etc, etc. Muito bem, é preciso deixar claro que professor, é uma profissão. É regulamentada por legislação e tem seus direitos e deveres como qualquer outra. Se existe funcionário que não a cumpre, deveria ser demitido, mas os estatutos dos funcionários públicos (que enquadra muitos outros profissionais, além dos professores) não permite! Entretanto é preciso deixar claro que atualmente é muito fácil ser professor, basta fazer um cursinho qualquer em uma faculdade qualquer e voilá: seu diploma está pronto! Vale lembrar que esta “faculdade qualquer” não se refere à faculdade que tem poucos alunos e poucas salas de aula, muito pelo contrário, o maior problema do ensino superior são os Mc Donald’s da educação que oferecem uma mensalidade de R$ 199,00 e atolam 150 alunos em uma sala de aula. Ora, considere a seguinte situação: um cidadão que ganha um salário mínimo por mês se vê diante da possibilidade de cursar uma fast food da educação e ganhar a bagatela de R$ 1.697,39 por 40 horas trabalhadas. Sabendo que o salário é um dos (se não for o) mais baixos de quem tem ensino superior, mas a garantia de contratação pelo poder público é quase que imediata, qualquer ser humano dentro das suas faculdades mentais toparia este desafio.
É claro que este cidadão não tem um bom ensino médio (até porque se o tivesse não ganharia apenas um salário mínimo, mas ao mesmo tempo reduziria as possibilidades de ser explorado), obviamente também não terá um bom ensino superior, pois é impossível querer qualidade de ensino com 100 ou 150 alunos em uma sala de aula, ou pior ainda, via EaD. Em menos de três anos o sujeito estará com diploma na mão e poderá ser efetivado na rede pública, ou em algum colégio particular meia boca.
Ao discutir os 10% do PIB na educação, gostaríamos de contar uma novidade que o nobre não deve saber: o problema do dinheiro na educação não é a quantidade, mas sim o “como é utilizado”.
Membro da Fundação Ioschpe e ligado ao Todos pela educação, o articulista deve conhecer os bastidores da educação. Ele deve saber que o que sai dos cofres públicos não é o que chega às escolas. Construções, reformas, mochilas, materiais escolares, manutenções, pregões eletrônicos, tomadas de preços, tablets, computadores, notbook’s, lousa digital, enfim, tudo o que se faz para a educação é superfaturado, e neste ponto se sobressaem as OnG’s que também levam suas parcelas do dinheiro público para serem utilizadas como bem quiserem, isso sem falar em lavagem de dinheiro, apresentação de projetos caríssimos aos cofres públicos que não existem… Acrescentar 10% ou até mesmo 30% do PIB na educação não vai resolver nada, enquanto a corrupção imperar em todos os segmentos da sociedade.
Em seguida é discutido sobre a relação “valor investido na educação – entre eles o salário do professor – e o aprendizado dos alunos”. Não vou gastar linhas neste assunto (já o fiz em outros artigos), mas gostaria de ver como o Gustavo sobreviveria nas condições citadas acima, com o salário anunciado. Dentro das suas perspectivas, muito provavelmente arrumaria outras escolas para trabalhar (Estado, prefeitura, particulares…). É preciso colocar na cabeça de algumas pessoas (e de alguns economistas) que o professor não trabalha 60 ou 70 horas em sala de aula por semana por amor à educação. Não, não se trata de “furor pedagógico” e sim de necessidade. Indicar atividades para casa, acompanhar os cadernos, corrigir minuciosamente as provas e os trabalhos é obrigação do professor! Mas tente fazer com uma somatória de 1200 alunos? Para não dizer que estou extrapolando nos números, citarei outro exemplo concreto: Professores de História, Geografia, Física, Química, Biologia, Educação Física, Sociologia, Filosofia, Inglês e Arte possuem duas aulas por semana, por turma. Cada turma tem em média 40 alunos (no melhor dos exemplos). O professor trabalha 30 aulas de manhã (das 7h às 12h20min), em seguida vai para outra escola com mais 30 aulas (das 13h às 18h20min), e/ou para o período noturno (25 aulas – das 19h às 23h). Pronto! Fez as contas? Animador, não?
A presença da comunidade na escola é fundamental. Este próximo item abordado no artigo diz que se a comunidade for para dentro da escola “vão descobrir que a escola brasileira é uma farsa (…) verão a quantidade abismal de professores que faltam ao trabalho, que não prescrevem nem corrigem dever de casa (…)”. Sim, seria muito interessante se a comunidade realmente fosse para a escola. Diversos exemplos demonstram que as escolas em que a comunidade participa, tiveram um salto de qualidade: os problemas de incivilidade diminuem, a comunidade passa a cobrar melhor os políticos, as brigas, furtos e ofensas diminuem, mas o grande problema é o “como” trazer a comunidade (que trabalha, que é de baixa renda, que precisa sustentar uma família – isso quando o próprio aluno não é este, o responsável) para dentro da escola. É possível sim, trazer todos para dentro da escola, o objetivo é o de melhorar, e não o de denegrir como o ilustríssimo o faz comumente na vossa coluna.
Adiante, Gustavo Ioschpe elenca quatro itens que os professores precisarão fazer para “melhorar a qualidade do ensino”. Dos itens elencados, respondo
:
Primeiro. Não somos vítimas. Somos profissionais e queremos ser respeitados, e nos dar ao respeito como tal. Se o professor está nesta situação e continua nela, pode haver duas hipóteses: 1. Incapacidade de arrumar outro emprego (como já discutido acima) e, 2. Ideologia. Sim, muitos professores fazem o que fazem por ideologia, mas não política-partidária, nem de direita nem de esquerda. A ideologia de que a educação poderá ajudar a construir uma sociedade menos hipócrita e mais humana, e obviamente que o salário é bem vindo, pois quanto mais eu ganhar, em menos escolas precisarei trabalhar e assim poderei estudar mais.
Segundo. Cada ser humano possui um conjunto de valores morais e éticos que é preciso respeitar. Ainda que o professor deva ser “neutro” e oferecer aos alunos diferentes pontos de vista, o professor é um ser humano e carrega consigo todo conjunto de valores que foi construindo ao longo da sua vida. Creio que o professor que estuda constantemente tem um bom discernimento sobre isso, portanto, para que os professores não negligenciem a literatura como Ioschpe diz, o professor deve estudar (e isso está ligado ao primeiro item tratado).
Terceiro. Todos tem o direito de debater a educação, assim como a saúde, a segurança, o transporte, etc. o debate deve ser democrático e as opiniões fundamentadas são sempre bem vindas. Entretanto é preciso deixar claro que o professor (sobretudo o Pedagogo) é um especialista da educação. Ele detém o conhecimento da fundamentação pedagógica para avaliar um aluno, bem como verificar a situação de aprendizagem. Se assim não o fosse, todos nós poderíamos dar palpite no procedimento em que o cardiologista está utilizando ao realizar uma operação, ou sobre como o policial deve empunhar a sua arma durante uma troca de tiros, ou ainda mais: o quanto o urologista deve se empenhar no exame de próstata!.
Quarto: qualquer ser minimamente pensante já terá compreendido a questão do salário. Caso não tenham entendido, podem encaminhar suas perguntas!
Para finalizar, gostaria de dizer que, realmente o respeito da sociedade não virá quando nós tivermos um contracheque mais gordo. O respeito virá quando conseguirmos educar a sociedade para que todos percebam que o problema não está nos jogadores do time, nem no técnico, muito menos no presidente do clube, mas sim na FIFA.
Talvez se “falar com o professor médio brasileiro (…) é mais inútil do que o proverbial pente para careca”, argumentar com um economista pode ser como discutir com uma porta. Vamos ver o debate!
Esse vídeo traz outra análise sobre as “ideias” de Gustavo Ioschpe:
https://www.youtube.com/watch?v=9iwDQZgntEE&feature=youtu.be
Ivan Claudio Guedes, 33, Geógrafo e Pedagogo
www.facebook.com/prof.ivanclaudioguedes
www.facebook.com/prof.ivanclaudioguedes
Parafraseando Sartre: "não importa o que fizeram de nós, importa saber o que faremos do fizeram de nós…". Olhemo-nos no "espelho" do quem somos nós… Como estão nos fazendo? E, o mais importante, como “eu” estou me fazendo?
É indignante alguém que, ao que parece, não tem realmente conhecimento de causa do que faz um professor para sobreviver. Considero-me educador, antes de tudo, não me considero "coitadinho", muito menos herói, sou um servidor público e como tal exerço minha profissão dignamente. Estou satisfeito? Claro que não… No dia em que isso acontecer, estarei morto…
A crítica do articulista da revista atingiu o objetivo, admitamos. Ficamos indignados. Faço votos que desta indignação surjam atitudes positivas.
É claro que não “ignoramos a realidade”; nem somos gananciosos; nem descompromissados; nem incompetentes; nem somos somente, como diz o articulista, “guardiões e retransmissores do conhecimento”… Esse discurso conhecemos muito bem. Desprestigiar e descaracterizar nosso trabalho é a rotina da ideologia neoliberal. Afinal, a gorda fatia dos recursos públicos da educação repassada para o setor privado ainda é pouco.
Voltemos a Sartre.
O que fizeram de nós (ou continuam fazendo de nós)?
Realmente, profissionais “desprofissionalizados”, com péssima formação acadêmica, cursos que nos deixam meros aprendizes, sem um fundamento acadêmico, etc., etc., cursos de R$-1,99 (sentido pejorativo mesmo), com pseudo-formação continuada… O ProUNE transfere mais recursos às universidades privadas, que às públicas – carecem de tudo… Estão caindo aos pedaços, da gestão à estrutura física.
Como estamos nos fazendo?
Aí, prezados pergunto-lhes: há desídia dentre alguns (estou sendo otimista)? Há dentre nós professores que não cuidam da sua formação? Há os que fazem “bico” da nossa profissão? Há os que se consideram “sabe-tudo”? Há os que não se atualizam? Há os que ainda não sabem “ligar” um computador? Há os que matam aulas por qualquer motivo? Há os que “enrolam” os estudantes sem contextualizar e aprofundar o conteúdo?… Se eu estiver blefando desculpem-me. Mas quando vejo professores que mal se fala em greve, já param, eu vejo razões para dar um êpa! Testemunhei um “companheiro” solicitando uma “complementação de carga horária, 50 horas está bom”; perguntei por que não supre a carência da disciplina? “Estou concluindo meu curso de direito…”. Disse-lhe: não descaracteriza minha profissão, não venha fazer “bico” em nossa escola…
Não podemos falar de educação ou de profissão de professores sem considerar o contexto do país, das políticas públicas, da formação de gestores da educação, das condições de trabalho (que o Prof. Ivan já mencionou muito bem).
Prefiro levar o debate para outro aspecto. Há muito que a educação é vista como obrigação da sociedade como um todo, portanto, saiu do âmbito da sala de aula. O ato de educar precisa ser tratado por uma equipe multidisciplinar – um médico, um psicólogo escolar, um assistente social, no mínimo. O professor trata do pedagógico; professor não é assistente social, delegado de política, nem médico… mas, quem nunca saiu “correndo” para levar um estudante ao hospital?
“Largar” o professor como artífice das mazelas sociais é deixa-lo às “piranhas” que o veem como um mal necessário. Nós, educadores, estamos com a saúde debilitada, cumprindo carga horária extensa. Conclusão: o professor estressado, sucumbindo diante de si mesmo…
Atitude? O movimento pela educação de qualidade deve começar pela boa formação do professor – o exemplo: os países dos “tigres asiáticos”, o Japão… Os países que tratam a educação como prioridade e não com “migalhas”, com o que sobra da verba que vai para o setor privado. Quero ter um salário e ambiente trabalho digno, sim…
Mas, quem nos representa no Congresso Nacional? Nos Estados? Nos Municípios? Como se organiza nossa escola? Qual é o meu papel nesse processo?
Não concordo com o que o articulista da revista Veja escreveu, mas o tema incomoda!
Este comentário foi removido pelo autor.
Oi, sua resposta a esse artigo foi realmente válida e representaria a categoria, disse coisas que de fato acontecem. Mas quem lê o artigo daquela "coisa"! Que pegou um modelo ruim de profissional e generalizou para todos os professores do Estado, jogando mais uma vez a responsabilidade do "fracasso" do ensino à todos nós…