POR QUE OS PROFESSORES NÃO UTILIZAM OS LIVROS DIDÁTICOS?
O Brasil tem um dos (se não for o) maiores programas de distribuição de livros didáticos do mundo. O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) tem como principal objetivo subsidiar o trabalho pedagógico dos professores, por meio da distribuição de coleções de livros didáticos de diferentes editoras aos alunos da educação básica. Só para o ano de 2016 o Ministério da Educação desembolsou nada menos que R$ 1.255.495.989,82 para atender 121.574 escolas e contemplar 34.513.075 alunos do ensino fundamental I, ensino fundamental II e ensino médio, nas modalidades do ensino regular e da EJA. Em comparação com o ano de 2015, o MEC investiu R$ 1.362.618.334,01. Os dados estatísticos podem ser obtidos em: http://www.fnde.gov.br/programas/livro-didatico/livro-didatico-dados-estatisticos. Porém, de nada adianta apresentar esses volumosos números, se o livro didático não for utilizado na sala de aula.
O fato que queremos discutir, neste momento, é a não utilização dos livros didáticos obtidos pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). Obviamente que o que vou apresentar aqui não é a regra. Mas é o que tenho visto em diversas escolas e é o que meus colegas e alunos me relatam em diferentes discussões.
Muitas vezes os livros entregues aos alunos não são nem utilizados em sala de aula, nem como apoio aos estudos em casa. Os livros são entregues e não se toca mais no assunto. Em outras situações o livro nem é entregue. Fica empoeirando em algum canto da escola e depois de algum tempo o material é descartado. Sem querer me alongar, posso sugerir três reportagens que tratam deste assunto:
- Mais de 3 mil livros didáticos novos são jogados fora em Santa Catarina. Nesta reportagem de 2014, o desperdício de dinheiro público ocorreu com a chamada de um catador de material reciclado, que foi denunciado pelo próprio catador. A notícia pode ser acessada neste link: http://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2014/08/mais-de-3-mil-livros-didaticos-novos-sao-jogados-fora-em-santa-catarina.html.
- Livros didáticos são jogados no lixo seletivo em Caxias do Sul. A notícia de 2015 conta basicamente a mesma história acima. Os livros não foram utilizados e foram para o lixo. http://pioneiro.clicrbs.com.br/rs/geral/cidades/noticia/2015/12/livros-didaticos-sao-jogados-no-lixo-seletivo-em-caxias-do-sul-4925850.html.
- Livros didáticos jogados fora revoltam moradores em Teixeira (11/01/2016). Como diz o velho jargão: “A história nunca é nova, ela só se repete”. E foi assim que em Teixeira de Freitas-BA aconteceu. Os livros novos, embalados e sem uso foram parar no lixo: http://liberdadenews.com.br/index.php/policia/14696-denuncia-livros-didaticos-jogados-fora-revoltam-moradoresem-teixeira-de-freitas#.
Mas, voltando ao assunto, o grande problema que quero trazer é: Porque os livros didáticos não são utilizados? O que acontece no dia a dia do “fazer docente” que resulta no desperdício de dinheiro público e no crime (sim, não utilizar o livro didático é um crime, já que o aluno tem direito ao material didático e a sua utilização também configura desperdício de dinheiro público)?
Várias hipóteses poderiam ser apresentadas, tais como: Os materiais são de baixa qualidade. O livro está fora da realidade do aluno. O livro só trabalha com a memorização de conteúdos. O livro não contempla o currículo escolar. A escola recebe outros materiais que substituem o livro didático. O professor não está preparado para trabalhar com o livro didático. Dentre essas hipóteses preliminares, vou dissertar um pouco sobre cada uma delas.
Mitos e verdades sobre a não utilização dos livros didáticos:
- Os materiais são de baixa qualidade. Mito! Os Livros didáticos no Brasil passaram (e passam) por reformulações constantes. Via de regra, os materiais são produzidos e reformulados, de acordo com as necessidades dos professores. As editoras e os autores de livros didáticos se preocupam em manter um diálogo constante com os professores (principalmente agora com o uso das redes sociais) para discutir e reorganizar seus conteúdos apresentados. Não somente, os livros também passam pela avaliação do MEC que prima pela linguagem aplicada na obra, qualidade das imagens, diversidade de exercícios etc.
- O livro só trabalha com a memorização de conteúdos. Mito! A memorização deixou de ser o carro chefe da educação brasileira há algum tempo. Hoje, os livros devem estimular diferentes habilidades, competências cognitivas, valores e atitudes. Basta navegar por algum livro didático e você verá que o texto, as imagens e as atividades conversam entre si e cada seção do livro estimula diferentes inteligências.
- O livro não contempla o currículo escolar. Os currículos no Brasil são elaborados de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais. Esses documentos norteiam os objetivos da aprendizagem de cada disciplina em cada etapa da escolarização. Os sistemas de ensino tem autonomia para desenvolverem seus currículos, mas sempre primando pelo que a legislação aponta e sendo norteados pelos parâmetros nacionais. Sendo assim, o livro deve ter uma abordagem ampla, permitindo se encaixar em qualquer currículo.
- A escola recebe outros materiais que substituem o livro didático. Meia verdade! Muitas redes de ensino acabam optando pelo uso de outros materiais. A rede estadual de São Paulo, por exemplo, trabalha com o projeto Ler e Escrever, no Ensino Fundamental I e o caderno do aluno no Ensino Fundamental II e Médio. Porém, esses materiais não substituem o livro didático. Eles são materiais complementares que aprofundam alguns temas e habilidades. No planejamento do professor, ele pode (deve!) considerar o uso desses dois materiais dosando o que vai utilizar em cada aula. Outros sistemas acabam optando pela aquisição de apostilados. Aqui sim isso se configura um problema, uma vez que, de posse dessas apostilas de sistemas, o professor não consegue utilizar esses dois materiais. Neste caso, o correto a se fazer é a escola (e a Secretaria de Educação) não adquirir os livros didáticos (justamente para evitar o desperdício de dinheiro público).
- O professor não está preparado para trabalhar com o livro didático. Verdade (lembrando que isso não é regra!), e é aqui que vou me aprofundar um pouco mais.
Nas conversas com diferentes professores de diferentes lugares do país tenho percebido a cada dia que os colegas não sabem como trabalhar com o livro didático. Não entendem o objetivo pedagógico dos exercícios e não conseguem articular saberes, habilidades, valores e atitudes. Justamente a alta qualidade e a complexidade pedagógica que estão presentes no livro didático acabam impedindo com que o professor trabalhe em sala de aula.
Os cursos de formação de professores (lembre-se, não é regra!) acabam não trabalhando com metodologias e práticas de ensino utilizando diferentes livros didáticos. Os sistemas de ensino também não investem na formação continuada dos seus professores com este foco. Infelizmente, o que se observa é que o livro didático é utilizado para servir ao professor de apoio para escrever um texto na lousa e para que seus alunos copiem.
Temos como método ativo de aprendizagem a reprodução a partir das nossas referências. Por isso proponho o seguinte exercício: tente lembrar-se das suas aulas enquanto criança. Se você nasceu antes da década de 1980 vai se lembrar de que não tínhamos livros didáticos para todos. Tínhamos que cuidar ao máximo do livro para que outro colega utilizasse no ano seguinte. Encapávamos os livros e em hipótese alguma podíamos escrever nele.
As aulas com os livros didáticos seguiam os seguintes passos:
- Cópia do texto na lousa.
- Explicação do “ponto” pelo professor.
- Exercícios de memorização.
- Prova.
Assim, aprendemos a trabalhar com o livro didático e assim trabalhamos até hoje. Porém, essa prática não mais se aplica, uma vez que nossos alunos possuem o livro didático. Fazer a cópia do livro na lousa (além de ser plágio) perdeu o sentido.
Por isso sempre frisamos que o livro didático é um subsidio a aula do professor. Ele deve ser utilizado para introduzir um assunto, realizar a leitura compartilhada e embasar as discussões em sala de aula (discussões é diferente de “explicar o ponto”). As atividades presentes no livro têm como objetivo servir de base para a avaliação do professor, não para dar nota, mas sim para acompanhar o desenvolvimento do aluno. Utilizado como ponto inicial, cabe ao professor rechear as aulas com os outros diferentes materiais ou metodologias que ele quiser (livros paradidáticos, vídeos, músicas, exposições, rodas de discussão etc.).
Por isso, resolvi neste curto espaço tentar contribuir um pouco mais com o debate sobre o desperdício de dinheiro público e sobre a não utilização do livro didático. Claramente este assunto merece ser aprofundado e melhor discutido, porém, espero que lhe tenha trazido um pouco de reflexão e clareza sobre isso.
Para finalizar só posso afirmar que hoje os livros são distribuídos para as escolas, o material é de ótima qualidade, salvo exceções, a infraestrutura para trabalharmos é razoavelmente aceitável, os professores possuem ensino superior (na sua grande maioria), os alunos recebem subsídios básicos para seus estudos, então o que resta é a preguiça, o não saber pedagógico e o não querer fazer.
Ivan Claudio Guedes, 35.
Geógrafo e Pedagogo
GUEDES, I. C. Por que os professores não utilizam os livros didáticos? Gazeta Valeparaibana [Online] São José dos Campos, 01 mai. 2016. Educação em debate. Disponível em: http://gazetavaleparaibana.com/102.pdf Acesso em 02 mai. 2016.
Me desculpe professor, mas atuo como professor de física na rede estadual do Rio de Janeiro e aqui temos um currículo mínimo a seguir que muitas vezes (se não todas) é um lixo! Pois não prepara o aluno para um vestibular! No meu caso os livros didáticos não tem o conteúdo do currículo (em 90% das vezes)! O problema não é o livro didático aqui! O problema é que somos quase que obrigados a não trabalhar com o livro devido a esse currículo mínimo que nos é imposto! Eu esse ano decidi não seguir o currículo e por tanto uso o livro didático que sim, são de excelente qualidade!
Prezado Washington.
Muitas vezes esses currículos estaduais e municipais apresentam algumas diferenças em relação à organização dos PCN´s. Ainda que tenhamos os PCN´s que norteiam a construção do currículo, a LDB 9.394/96 deixa livre para que os sistemas organizem seus currículos, por isso estamos vendo atualmente essa discussão sobre a Base Comum Curricular Nacional, justamente para que não haja discrepâncias entre os currículos pelo Brasil. Alguns livros podem se adequar mais ao seu currículo do Estado do Rio de Janeiro, outros não. Recentemente fiz um trabalho com alguns livros de Geografia comparando o quadro de conteúdos com o quadro das habilidades do Estado de São Paulo, nem todos os livros contemplaram o currículo de SP (alguns mais, outros menos). Creio que essa atividade seja importante realizarmos durante o período de escolha do PNLD, para não amargarmos 3 anos com um livro que não nos serve.
Um forte abraço,
Ivan
Parabéns Prof Ivan Guedes.
Precisamos de muitos como você.
Obrigado. Não sou dono da verdade. Apenas escrevo sobre o que observo e analiso. Fico muito contente em achar pessoas com senso crítico. Um forte abraço.
Também utilizo o livro didático e de fato não costumo seguir o currículo estadual,pois ele simplifica ao máximo os conteúdos a serem trabalhados, mas fico perplexa de saber que existam professores que não conseguem acompanhar os conteúdos dos livros,já que a escolha é realizada pelos mesmos.
Sandra, obrigado por manifestar sua opinião conosco.
Realmente essa questão do currículo minimo é extremamente preocupante. Temos várias questões que podemos discutir a este respeito.
Recentemente li um texto do Prof. Libâneo que aborda essa questão do currículo mínimo. Este é o link para o artigo: http://www.scielo.br/pdf/cp/v46n159/1980-5314-cp-46-159-00038.pdf
Outra grande preocupação é justamente a nossa despreparação para fazer uso do material didático (seja ele qual for). Ainda estamos presos à simples exposição dos conteúdos… OBVIAMENTE que não são todos… isso não é regra… mas, são muitos.
Um forte abraço
Ivan