MOBILIZAÇÃO DOS PROFESSORES
A paralisação dos professores e os professores paralisados: um simples trocadilho ou um fato?
Desde o final de 2011 que ouvimos falar em uma mobilização nacional para forçar os Estados, os Municípios e o Distrito Federal a cumprirem a Lei n. 11.738 de 2008 (chamada Lei do Piso) que institui nos seus oito artigos o piso salarial nacional dos profissionais do magistério público da educação básica, a composição da jornada de trabalho, reservando o limite máximo de 2/3 da carga horária para o desempenho das atividades de interação com os educandos e 1/3 em Aula de Trabalho Pedagógico Coletivo (ATPC) e Aula de Trabalho Pedagógico Livre (ATPL) e, também sobre o Plano de Carreira. Pois bem, desde 2008 que vem se travando a discussão sobre essa Lei, e pouquíssimos Sistemas de Ensino vem cumprindo-a integralmente. Alguns cumprem a parte do salário, outros cumprem com o Plano de Carreira. Não conhecemos nenhum que cumprissem com as horas de atividade com alunos.
O que nos chamou a atenção foi a ausência desse debate desde que a Lei foi publicada em 2008. Nas escolas foram raras as oportunidades de discussão durante as Horas de Trabalho Pedagógico Coletivo (HTPC), agora denominadas ATPC. Nas redes sociais, também pouco se falou. Entretanto, há alguns meses esse debate ganhou espaço (nas redes sociais). Indiferentes a isso, continuamos sem debater esses assuntos nas escolas. O tempo foi passando e a CNTE (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação) convocou uma paralisação nacional para os dias 14, 15 e 16 de Março de 2012. Desde o início de 2012 que estamos acompanhando essa tentativa de mobilização. Independentemente do corrente ano eleitoral e dos interesses políticos e, sobretudo partidários que permeiam esse debate, gostaríamos de centrar nosso foco sobre a figura do professor e sua formação filosófica, ou política.
Já faz algum tempo que as ciências humanas perderam sua função na educação básica (se é que alguma vez, realmente tiveram essa função) que é a de proporcionar ao aluno uma reflexão crítica e autônoma sobre os acontecimentos sociais. Com a expansão descontrolada e a monetarização desenfreada do ensino superior no Brasil as ciências humanas também perderam seus espaços (inclusive dentro dos próprios cursos de ciências humanas). É comum hoje verificar cursos de Pedagogia, Filosofia, História, Geografia, Letras, Sociologia, entre outros, uma formação a “toque de caixa”, sem que haja leituras essenciais para a formação deste profissional ou debates em torno das ideias centrais do seu ramo de atuação. Isso posto, é de se esperar que o futuro profissional não domine sua área de atuação e seja um trabalhador “meia boca”. Para deixar mais claro, é possível citar José Carlos Libâneo (Adeus Professor, Adeus Professora? Novas exigências educacionais e profissão docente. Ed. Cortez, 1998) em que no terceiro capítulo o autor faz uma brilhante análise da desprofissionalização do docente, mediante o sistema neoliberal de ensino. Em que o professor é formado sem que haja condições deste partir para o mercado de trabalho plenamente qualificado e, sendo assim, também formará alunos sem qualificação.
O que queremos discutir aqui é que os professores, diferentemente de outras categorias (tais como os metalúrgicos, os petroleiros, os mineradores, os caminhoneiros…) não sabem, ou não querem, brigar pelos seus direitos trabalhistas. Talvez a sensibilidade do professor diante do turbilhão de atividades e controvérsias que permeiam seu trabalho tenha diminuído seu interesse em formar cidadãos livres e conscientes do seu papel social. Entretanto, cabe outra citação. Desta vez, verificamos em Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido. Ed. Paz e Terra, 1987) é dito que é preciso ensinar ao oprimido que ele o é, e portanto, a partir da sua consciência de oprimido adquirida, o mesmo tenha condições de emancipar-se intelectualmente. Pois bem, fazse a questão: Como ensinar a um oprimido que ele o é, se o professor também o é e não sabe?
Como criar uma sociedade emancipada e democrática se o professor, papel central neste processo, não é emancipado e muito menos democrático? Como formar um aluno crítico e consciente dos seus
deveres e direitos se o professor também não tem consciência dos seus?
As faculdades não proporcionam tal formação para seus alunos, por conta de um currículo enxuto, mensalidades baixas para atrair qualquer tipo de alunopagante, salas superlotadas (100 – 150 alunos, sem exagero), professores mal remunerados, e portanto, sobrecarregados de aulas e sem estímulo para continuarem sua formação (até porque se continuarem a formação se tornarão profissionais mais caros), falta de pesquisa e publicações acadêmicas, cortes de custos a qualquer preço, a quantidade e o lucro em detrimento da qualidade do ensino, são alguns dos fatores que contribuem para o círculo vicioso, má forma-
ção gerando má formação, ou seja, o professor mal formado no ensino básico, também é mal formado no ensino superior e vai contribuir com a má formação no ensino básico.
Se formos analisar a situação sob esta ótica, veremos que os sindicatos e seus diretores, pessoas astutas e possuidores de uma oratória invejada, utilizam-se deste círculo vicioso na razão direta dos seus interesses políticos-partidários, pois sabendo que o professorado é mal formado politicamente e também não consciente da sua posição de formador de opinião, usam os mesmos como massa de manobra, assim como o governo, usa desse expediente para reforçar o círculo vicioso que resulta na má formação do aluno que por sua vez ao se formar numa faculdade também terá grandes chances de ser um mal profissional.
Tal situação, a má formação do professor, foi no citada no “Jornal da Educação” em sua edição on-line nos idos de 2007 onde é dito que os mestres e doutores, responsáveis pela formação dos profissionais da educação, deveriam assumir parte na responsabilidade da má formação dos alunos da educação básica, pois eles tem participação nesse processo, haja visto que eles formam os professores. O mesmo jornal cita ainda a possibilidade, caso o governo fosse sério (adendo nosso), de que todos os professores poderiam ser chamados a fazer atualizações e especializações GRÁTIS (grifo nosso). Impossível? Não nos parece. Afinal seria uma bela demonstração de seriedade. Alguns, menos avisados, poderiam aventar de que o governo já proporciona bolsa mestrado e doutorado para os professores da rede. Mas, isso é
em número reduzido e insignificante para uma rede de aproximadamente 200 mil profissionais da educação. É necessário mais, muito mais.
Segundo Cunha (CUNHA, M. I. Aprendizagens significativas na formação inicial de professores: um estudo no espaço dos Cursos de Licenciatura. Artigo on line, disponível em: h t t p : / / 1 6 8 . 9 6 . 2 0 0 . 1 7 / a r / l i b r o s /anped/0425T.PDF), ”Não são os conteúdos ou as informações que carregam as relações sociais que geram a reprodução social ou cultural, mas a forma de transmissão, entendida como a teia de relações de poder e de subjetividade que a permeiam”. Daí deduz-se que o especialista recémformado, muitas vezes, não detém a capacidade necessária para a devida transmissão do conhecimento adquirido. Ele é de fato um especialista em sua área, porém em um mundo globalizado e contextualizado, como o de hoje, talvez fosse necessária uma formação acadêmica global. Seria o professor do tipo “canivete suíço”. Como um professor desse naipe, provavelmente, custaria mais caro às universidades e faculdades elas acabam optando por aqueles que possuem o conteúdo, porém vazios de competência. Onde isso irá desembocar? Claro, evidentemente na má formação do aluno do Ensino Básico.
Ainda referenciando Cunha, ”esse profissional mal preparado vai encontrar dificuldade para se encaixar no mercado. Vai, então, para a especialização na Pós-Graduação. Escolhe uma área específica, forma-se, e vai dar aula. Seu método será o mesmo utilizado pelo professor que ele teve durante a graduação. E a
inovação? Sem ela, não há mudança.” De fato, como o professor ,durante a sua especialização, não inovou em nada, há de se entender que nada irá mudar e ele agora com diploma na mão irá ensinar exatamente aquilo que aprendeu e da forma que aprendeu. Faz-se necessária uma ruptura epistemológica que permita reconfigurar os conhecimentos para além das regularidades propostas pelo paradigma da modernidade.
Percebemos então que, o balaio é muito maior do que imaginávamos inicialmente. Por fim, podemos concluir afirmando que há interesses por parte de alguns grupos sociais para que a formação inicial e continuada do professor seja de baixa qualidade. Há interesses políticos e econômicos evidentes para que a formação da educação básica seja de baixa qualidade. Esses interesses partem de diversos lugares, tanto do Governo, quando dos sindicatos e das empresas que precisam de mão-de-obra semi qualificada e barata.
Para quebrar esse ciclo só existe um meio: Estudar. Amigo professor, é preciso estudar mais!
Omar de Camargo
Técnico Químico
Professor em Química
Pós-Graduado em Química
Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo.
Texto disponível em http://www.gazetavaleparaibana.com/053.pdf
Excelente texto, professor. Estou vivenciando na prática a má formação docente, e, para ser franco, justamente por isso, e por outros fatores, não me encontro preparado para conduzir uma sala de aula.
A má formação profissional nos cursos de licenciatura daria um bom Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), mas quem se habilita a falar mal da instituição? Se eu já não tivesse tema, o Circo Laranja iria se ver meu alvo…
Parabéns pelo artigo.
Edvaldo. A dissertação de mestrado da Tatiana Pita aborda sobre esse tema. Só não sei se já está disponível para baixar na internet.