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Documento, de 1932, pede escola obrigatória, laica, gratuita e sem discriminação
O educador Anísio Teixeira foi um dos signatários do manifesto, que tinha propostas claras para educação
RIO – Faz 80 anos que um grupo de notáveis, entre eles Cecília Meireles, Anísio Teixeira, Lourenço Filho e Fernando de Azevedo, publicou o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Ousado para a época — 1932 —, o manifesto tinha propostas claras para a Educação no Brasil: escola obrigatória, laica e gratuita, sem discriminação de gênero ou de classe. Destacava ainda que era preciso investir nos professores, com “formação e remuneração equivalentes que lhe permitam manter, com a eficiência no trabalho, a dignidade e o prestígio indispensáveis aos educadores”.
Oito décadas depois, o manifesto não foi integralmente cumprido e, segundo Arnaldo Niskier, membro da Academia Brasileira de Letras, “o Brasil continua avançando de forma desconexa”:
— No ensino fundamental, que está quase universalizado, cresce o número de alunos, mas esquece-se a qualidade, que é o que importa. O ensino médio, por sua vez, não cresce nem quantitativamente nem qualitativamente. No ensino superior, atendemos metade do que deveríamos. O manifesto mostrava que, na década de 30, tínhamos um ensino órfão e essa é também a realidade de hoje.
Professor da PUC-MG, Carlos Roberto Jamil Cury concorda que nem tudo o que foi proposto acabou sendo colocado em prática, mas aponta que o documento trouxe algumas mudanças importantes para o país.
— Eles foram ousados e, graças a isso, a Constituinte de 34 tornou obrigatória a presença das crianças nos quatro primeiros anos do primário, e fez também com que as escolas fossem gratuitas. Por conta disso, uma porcentagem dos impostos tinha que ser voltada à Educação. E, até a década de 90, o Brasil foi o único país a ter vinculado a obrigatoriedade de imposto para Educação — conta Cury, que lembra que a Constituição incorporou ainda a coeducação (escolas voltadas para meninos e meninas): — Foi numa época em que a aproximação entre homens e mulheres era vista como algo pecaminoso e as mulheres não tinham muitos direitos.
Parte de um processo histórico — em 1930, o então presidente Getúlio Vargas havia criado o Ministério da Educação (MEC) —, o manifesto começou a ser construído, segundo a historiadora Maria Luiza Marcílio, professora de História da Faculdade de Filosofia da USP e autora do livro “História da escola em São Paulo e no Brasil”, ainda no final do século 19:
— No final do Império, os paulistas começaram um processo de revolução do ensino em uma época em que o primário era precário, não havia ensino secundário ou superior e as taxas de analfabetismo eram grandes. Foram criados grupos escolares, que instituíram o primário seriado e, aos poucos, acabaram sendo multiplicados nas capitais — explica Maria Luiza: — Ainda assim, quando o manifesto foi lançado, nós ainda não tínhamos condição de fazer o que propunha.
Oito décadas depois, de acordo com Maria Cristina Gomes Machado, professora de História da Educação da Universidade Estadual de Maringá, “o país não cumpriu a expectativa de construir aquela escola proposta pelo manifesto, e o que era ousado em 1932 já teve tempo suficiente para ser posto em prática”.
— Lidamos com o esvaziamento da escola pública, com o crescimento das instituições privadas e com escolas para ricos e para pobres. Temos, então, espaços seletivos, fragmentados, onde não existe a convivência com os diferentes tipos de classes. Um documento assinado em 1932 não era mais para ser ousado, mas faltou ao Brasil uma proposta nacional. Temos propostas de governo, planos emergenciais, mas não pensamos a Educação a longo prazo.
O Brasil tem, segundo o Censo Demográfico 2010 do IBGE, 96,9% das crianças de 7 a 14 anos matriculadas na escola. No entanto, ainda que o ensino fundamental esteja quase universalizado, um estudo feito pelo Todos pela Educação, em todas as capitais do Brasil em 2011, mostrou que 43,9% das crianças que concluíram o 3 ano do ensino fundamental não aprenderam o que era esperado em leitura. Em relação à escrita, o resultado foi ainda pior: 46,6% dos alunos não atingiram a meta.
— O grande problema hoje é que universalizamos a educação, mas a qualidade é baixa. Estamos avançando devagar, mesmo com as cobranças internas, internacionais e da sociedade. Os problemas hoje estão sendo discutidos e isso é um avanço — diz Marcus Vinicius da Cunha, professor de Pedagogia da USP.
Formação de professores
Para Cury, da PUC, e Maria Luiza, da USP, no entanto, o avanço maior se dará quando o país passar a investir na formação do professor.
— Na ditadura militar, houve quase a extinção da Escola Normal e de lá para cá não houve substituição. Dar atenção ao professor alfabetizador é fundamental, pois a situação do Brasil é dramática — diz Maria Luiza.
— Para reverter o quadro, antes de qualquer coisa, é necessário recuperar o status do professor, começando por recuperação salarial digna, além de repensar a formação. Hoje, em muitos casos, os piores alunos buscam o magistério, mas a figura do professor é estratégica se quisermos melhorar o ensino. E precisamos entender que o perfil do aluno mudou. Já no manifesto estava claro que, sem uma nova metodologia, não iríamos adiante e eles tinham razão — diz Cury, que acredita que é hora de rever o pacto federativo:
— Certas iniciativas têm que ter caráter nacional. É um contrassenso não ter um currículo nacional e o MEC avaliar as escolas nacionalmente. Como avaliar se não se sabe o que foi ensinado nos primeiros anos?
Entusiasta do manifesto, Arnaldo Niskier concorda que a formação dos professores é fundamental:
— Deve ser a prioridade. O professor hoje está sobrecarregado, tem que ser mãe do aluno, precisa dar aulas em várias escolas, não tem salário digno. As escolas não se renovam, o aluno perde o interesse e abandona os estudos. Por conta disso, o Brasil, que hoje é a sexta economia do mundo, corre o risco de ver essa posição ser sacrificada por falta de recursos humanos em todos os níveis — diz Niskier, que acredita ser a hora de um novo manifesto:
— Defendo essa ideia para que a gente avance. Entre os pontos importantes estariam a obrigatoriedade do horário integral, o uso inteligente da tecnologia e o país priorizando a formação dos profissionais.