Por muito tempo funcionários públicos foram coagidos a cumprirem ordens “não muito claras”.
Assunto polêmico essa tal de insubordinação…
Questionar uma ordem mal dada seria insubordinação?
Questionar uma ação pública seria “manifestar-se de modo depreciativo”? O que é depreciativo?
Depreciativo, diz o dicionário, é depreciar, dizer algo de modo pejorativo (palavra que vem do latim “pejoráre”, que significa “tornar pior”. Será que quando um funcionário se manifesta questionando algum problema ou mostrando para a população o que algumas autoridades do Executivo, Legislativo ou Judiciário (salvo segredo de justiça) querem esconder, está agindo de modo depreciativo?
Em Outubro de 2012 fui coautor em um artigo em que discutimos a questão da “Lei da mordaça” que cerceia os professores. Tal artigo pode ser consultado em http://gazetavaleparaibana.com/059.pdf (p. 9). Esse artigo foi inspirado no documentário “Segredos de Estado”, disponível em http://www.youtube.com/watch?v=KXwMA4f6Yjs em que se trata exclusivamente dos professores da rede pública estadual de São Paulo.
A chamada Lei da Mordaça é um reflexo das ditaduras onde os funcionários eram impedidos de expressar sua opinião, questionar alguma ordem “mal dada” ou mostrar para a a população o que vinha sendo feito de errado nas administrações públicas.
Em muitos municípios essa lei ainda impede que vários funcionários cumpram com a sua função.
Uma das maiores queixas que eu recebo, reproduzo-a abaixo:
Um gestor escolar que queira cumprir com a Lei 8.069/1990, Art. 56 – II (Comunicar ao Conselho Tutelar os casos de evasão escolar) só pode faze-lo mediante aprovação de um superior. O superior por sua vez vai consultar outro superior que vai vetá-lo, pois enviar uma família ao Conselho Tutelar pode resultar em perca de votos. Se esse funcionário sentir-se coagido não poderá fazer nada, pois a tal “Lei da Mordaça” o impede de agir.
No exemplo acima a manifestação do gestor seria um caso de insubordinação? Ele estaria agindo de modo “depreciativo”, caso resolvesse comunicar à sociedade o ato de censura?
Todo funcionário quando é contratado tem suas funções, suas obrigações. As obrigações são regidas por legislação própria. Legislação que não pode estar acima da Lei Federal. Portanto, entendo que a autonomia do funcionário está regida pela sua obrigação formal, e não com o parecer de alguém que tem outros interesses.
O caso do Município de Guarulhos é, no mínimo, instigante. A Lei Nº 1.429/1968 Art. 172 – diz que é proibido ao servidor municipal “referir-se de modo depreciativo em informação, parecer ou despacho às autoridades e atos da administração pública, sendo-lhe permitido, porém, em trabalho assinado, criticá-los do ponto de vista doutrinário ou de organização do serviço”. Adiante, a Constituição da República Federativa do Brasil, Art. 5 diz que “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) IX – é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”.
Em 2002 foi aprovada a Lei Nº 5.809 que aplica PENALIDADES À PRÁTICA DE “ASSÉDIO MORAL”NAS DEPENDÊNCIAS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA POR SERVIDORES PÚBLICOS MUNICIPAIS.
Ainda que a Lei 5.809 seja carregada de “boas intenções” e, sinceramente, é muito louvável, o que precisaria ser REALMENTE REVOGADO é o referido Art. 172 – I, pois o conceito de “pejorativo” não é lá muito claro. Até porque, o Art. 184 – IV da Lei 1.429/1968 deixa bem claro que “insubordinação em serviço” é punido com a demissão.
É interessante ver como as legislações se contradizem e abrem enormes abismos para que cada um interprete como se queira. O desgaste de um servidor que trabalha na linha de frente tem para se defender de algum outro servidor “mal intencionado” é tamanho que a maioria prefere se calar e obedecer a ordem (ainda que esta seja contra uma lei maior, nesse caso Federal, como o exemplo do Conselho Tutelar citado acima).
Acreditamos viver em um país “livre” em que todos tenham o direito de expressar a sua opinião e, principalmente, ter o direto de divulgar ao público aquilo que vem sendo feito de errado. Afinal, se são “Funcionários Públicos”, devem servir ao PÚBLICO e não a um grupo político passageiro que está no poder.
Prof. Ivan Claudio Guedes.
Lei Nº 1.429/1968
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8069.htm
Lei Nº 1.429/1968
http://leis.guarulhos.sp.gov.br/06_prefeitura/leis/leis_download/01429lei.pdf
Lei Nº 5.809/2002
http://