ESTUDO DO MEIO:
REFLEXÕES SOBRE A PRÁTICA PEDAGÓGICA PARA O DESENVOLVIMENTO DE INTELIGÊNCIAS,DO DESENVOLVI MENTO SOCIAL E DA RESPONSABILIDADE SOCIOAMBIENTAL
IVAN CLAUDIO GUEDES
Geógrafo e Pedagogo. Especialista em Gestão Ambiental, Mestre em Geociências e Doutor em Geologia. Professor da Faculdade Progresso e da rede pública estadual de São Paulo.
Este trabalho apresenta o relato de três experiências sobre a prática do estudo do meio, realizado no bairro do Cabuçu, no município de Guarulhos-SP. Participaram das atividades dois grupos de alunos do ensino médio (sendo um de escola pública e outro de colégio particular) e o outro formado por alunas do curso de licenciatura em Pedagogia. As atividades de estudo do meio propiciam um olhar diferenciado sobre o espaço geográco constituindo-se em uma prática interdisciplinar. As atividades propiciaram diferentes reexões sobre a ocupação de áreas socioambientais fragilizadas permitindo aos alunos participantes delinear suas propostas para a o desenvolvimento local, respeitando as particularidades da região. Através do conjunto de atividades propostas para a prática do estudo do meio, observa-se que esta pode proporcionar, ao professor, a oferta de diferentes momentos de aprendizagens signicativas a partir do contexto visitado, delineando uma prática interdisciplinar e potencializando o desenvolvimento de diferentes inteligências, bem como da responsabilidade socioambiental.
Palavras chave: Práticas Educativas; Interdisciplinaridade; Educação.
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Introdução:
Com o objetivo de estimular a perspectiva ambiental no sujeito, experiências envolvendo a prática do estudo do meio enquanto prática pedagógica vem ganhando espaço no meio acadêmico e nos ambientes de aprendizagem da educação básica. Entretanto, para que essa prática continue se disseminando e ganhando adeptos das práticas em campo, faz-se necessário investir na formação do docente.
Difundido em vários lugares do mundo como prática pedagógica, o estudo do meio chegou ao Brasil no início do século XX, com o advento da imigração europeia e a recém-industrialização. Trazida pelos militantes do movimento anarquista, que criaram escolas próprias para seus lhos, a metodologia possibilitava o desenvolvimento do ensino baseado em “observações, discussões e na formação do espírito crítico sobre o meio circundante ou o contexto social do entorno da escola ao qual pertenciam os alunos” (PONTUSCHKA, 2003).
A prática, cujo objetivo principal era a reexão crítica sobre o meio foi suprimida pelo governo getulista e, junto com ela, fechadas as escolas anarquistas. Adiante, a prática voltaria a ser difundida no Brasil quase 50 anos mais tarde, durante os anos de 1960. Neste contexto, aoraram as escolas experimentais e os colégios vocacionais de inspiração freinetiana, sendo muito valorizadas, na época, as disciplinas de História e Geograa pelo fato de possibilitarem a integração com outras disciplinas e favorecerem o estudo interdiciplinar (PONTUSCHKA, 2003).
Ponstuschka (2003) elenca as etapas que constituíam o estudo do meio, tomando por base São Paulo, as quais são descritas a seguir. Na primeira série do ginásio (atualmente Ensino Fundamental) as crianças tomavam o conhecimento das ruas no entorno da escola e em outros pontos da cidade de São Paulo. Em seguida, na segunda série, era feito o estudo de uma cidade litorânea e outro de uma cidade do interior do Estado. Na terceira série, ampliava-se o estudo para alguns pontos da Região Sudeste e, já na quarta série, eram organizadas visitas a Minas Gerais, a algumas cidades de mineração do ouro, e ao Distrito Federal (Brasília, ainda em processo de construção). O governo militar acabaria com o estudo do meio e com os colégios vocacionais por decreto e a sua retomada só se daria nos anos de 1990, com Paulo Freire à frente da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo.
O estudo do meio traz em seu escopo a metodologia do ensino interdisciplinar, que possibilita desvendar a complexidade do espaço em sua dinâmica de constante transformação. Tal dinâmica é impossível de ser apreendida na visão unilateral de uma única disciplina escolar (PONTUSCHKA; PAGANELLI & CACETE, 2007), sobretudo na perspectiva da escola do século XXI, enquanto potencializadora e transformadora da sociedade (CAMARGO; GUEDES, 2014), que utiliza todos os meios para o desenvolvimento das diferentes inteligências: espacial, lógico-matemática, linguística e naturalista (GARDNER, 2000).
A prática do estudo do meio permite tanto ao professor como ao educando envolver-se em um projeto de pesquisa empírico, que permite a construção da cidadania por meio da solução de problemas. O envolvimento entre os sujeitos desta prática é tamanho que a concretização do trabalho não se encerra na sala de aula e, muito pelo contrário, acaba por envolver a comunidade.
A metodologia do estudo do meio requer de seus participantes reflexões compreendendo a problematização, observação, descrição, registro, síntese, representação e análise dos fenômenos naturais, sociais e culturais que envolvem o espaço. Ou seja, como prática interdisciplinar contextualizada e signicativa no processo de ensino-aprendizagem, o estudo do meio oferece a oportunidade capital de desenvolvimento da consciência social e ambiental, ao tempo em que promove o debate sobre o equilíbrio do sistema urbano e se constitui em base para construção da sustentabilidade.
Diante disto, este trabalho traz a reexão sobre três experiências com a prática do estudo do meio na região do Cabuçu, bairro do município de Guarulhos em São Paulo. A região, que se localiza no contexto da Serra da Cantareira, apresenta diversidade socioambiental ímpar, de extrema importância para a preservação do bioma da Mata Atlântica. A região também é palco de ocupação urbana desenfreada, fruto da expansão urbana do município, com conseqüências graves como desmatamento, disposição irregular de resíduos sólidos e lançamento de esgoto nas drenagens.
As atividades desenvolvidas em campo foram realizadas em três momentos distintos: O primeiro grupo é composto por alunos da E.E. Bom Pastor II (localizada no próprio bairro), o segundo foi composto por alunos do Colégio Novo Rumo (localizado no centro de Guarulhos-SP) e o terceiro grupo, com alunos do curso de licenciatura em Pedagogia das Faculdades Integradas Torricelli. Os
resultados obtidos revelam grau de compreensão diferenciada sobre os fenômenos sociais e ambientais por parte dos três distintos grupos, que será tratado adiante.
DESCRIÇÃO DA ATIVIDADE
Para realização do Estudo do Meio, procedeu-se da seguinte forma:
- 1º Apresentação geral do tema em sala de aula. Problematização sobre o contexto socioambiental do lugar e apresentação das características gerais da área.
- 2º Leitura de textos sobre diferentes impactos ambientais e seus devidos processos de recuperação. Leitura de textos sobre a fragilidade socioambiental, suas diferentes visões e meios para mitigar os impactos locais.
- 3º Instruções gerais para saída de campo (caderno de anotações, máquinas fotográficas, GPS e bússola, carta topográfica e lápis).
- 4º Saída de campo.
- 5º Coleta das atividades em campo e apresentações dos resultados coletados.
As atividades relatadas foram desenvolvidas em três diferentes contextos:
Primeiramente os estudos empreendidos foram realizados por membros moradores do próprio bairro. Esta atividade envolveu alunos do ensino médio regular em uma escola pública da região. O grupo de alunos era de adolescentes entre 14 e 17 anos.
O segundo grupo foi formado por estudantes de um colégio privado do próprio município, que não conheciam a região.
O terceiro grupo foi composto por estudantes de graduação em Pedagogia, moradores do próprio município, de diferentes bairros e diferentes idades (que na sua maioria, também não conheciam a região).
REFLEXÕES
Após a aplicação da prática do Estudo do Meio com os três grupos, uma das semelhanças que pode-se perceber, foi a de que houve a valorização sobre o espaço, compreendendo as especificidades ambientais que o lugar proporciona, provocando o sentimento da necessidade de preservação do local.
O primeiro grupo apresentou uma excelente reflexão sobre o espaço visitado. Por serem membros da comunidade local, espantaram-se com espaço visitado, pois “nunca tinham pensado na importância daquele lugar”.
Já o segundo grupo identificou, principalmente, as características sociais do bairro. A comparação entre as condições de sociais verificadas in loco foram constantes. No final, sentiram a necessidade de uma atuação mais eficaz do poder público e privado, tanto para promover o desenvolvimento social, quanto para a preservação ambiental. Em discussões em grupos, chegaram, inclusive, a propor um modelo de turismo ambiental local, utilizando a própria população, através de treinamentos, para promover o “turismo ecológico”.
O terceiro grupo atentou-se às instruções em campo: a utilização da bússola para se orientar, sua localização pelo GPS e sua posição no mapa, a descrição dos elementos naturais e sociais observados e as estratégias para realização do estudo do meio. Algum tempo depois, alguns dos próprios estudantes de pedagogia, propuseram a prática do Estudo do Meio em suas escolas. Os relatos obtidos são os de que a aprendizagem é melhor obtida quando o aluno tem contato com o concreto, com o espaço vivido, com o real.
Em suma, tais atividades em campo devem ser amplamente divulgadas e incentivadas nos diferentes níveis de ensino. A possibilidade da apreensão dos conteúdos conceituais, procedimentais e atitudinais, através dos conteúdos factuais (ZABALLA, 1998), foram potencializadas com a prática do Estudo do Meio.
Tal prática ainda não é uma prática corriqueira nas escolas, frente a alguns desafios: mentalidade baseada na “aula-lousa”; medo ou receio de acidentes durante o percurso, (sendo que em uma das escolas [que seria uma quarta experiência] em que se tentou levar outros alunos havia uma cadeirante com paralisia cerebral e que, portanto, a escola vetou o projeto); burocracia impostas por algumas escolas ou simplesmente pelo desconhecimento ou despreparo do professor. Cabe a nós, professores que compreendemos a importância pedagógica e social desta prática, difundir e incentivar a continuidade desta prática.
REFERÊNCIAS
CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. De escola reprodutora a escola transformadora. Gazeta Valeparaibana [online], São José dos
Campos, 01 ago. 2014. E Agora José? – Opinião. Disponível em http://www.gazetavaleparaibana.com/081.pdf Acesso em
02 ago. 2014.
GARDNER, H. Inteligências múltiplas, a teoria na prática. Porto Alegre: 2000.
PONTUSCHKA, N. N. Estudo do Meio, Interdisciplinaridade, Ação Pedagógica. 2003. Disponível em:
http://estudodomeio.wordpress.com/2009/03/10/acao_pedagogica/. Acesso em 14 de Janeiro de 2010.
PONTUSKA, N.N; PAGANELLI, T. I; CACETE, N. H. Para ensinar e aprender Geograa. São Paulo: Cortez, 2007.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre: Artmed, 1998.
Ótima ferramenta de trabalho académico sobretudo para nós que somos professores e que a cada passo enfrentamos a necessidade de desenvolver com os nossos alunos um trabalho académico que se pretende de índole científico.
Muito abrigado ao Prof. Ivan Cláudio Guedes e a sua equipa pela partilha deste material que traz exemplos diversificados de modelos da organização de artigos científicos nos quais estão à vista as “estruturas chaves”, quais sejam o tema, a justificativa a problematização, a justificativa, a metodologia, etc.
Muito obrigado. Ter condições de trabalhar com essa prática do Estudo do Meio sem dúvida é muito gratificante tanto para mim, quanto para os alunos.
Um forte abraço
Ivan
Boa tarde Professor Guedes.
Gostaria de indicação de referências sobre Metodologia do Estudo do Meio.
Obrigada, Rosilaine
Olá, bom. Modéstia à parte. Este artigo já é uma referência. Outras referências você pode encontrar no google acadêmico. Eu costumo utilizar bastante para ficar atualizado sobre as novidades. Veja este vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=4Gy1RpNWmbo&index=38&list=PLc0YQRSzTrBVvSMBVoTl1x0Pp89hhHnW_