ESCOLA SEM PARTIDO E A FALTA DE ENTENDIMENTO SOBRE OS DIREITOS HUMANOS
O Movimento Escola Sem Partido ingressou na justiça contra o INEP (Instituto de Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) alegando que o próprio órgão desrespeita os Direitos Humanos. O Escola Sem Partido afirma que a redação do ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) é subjetiva e que força o candidato a “seguir a cartilha ideológica do Plano Nacional de Direitos Humanos”.
Bem, a princípio temos três discussões: 1) Explicar a questão da redação no ENEM e; 2) Discutir a afirmação de que o Plano Nacional de Direitos Humanos constitui-se numa cartilha ideológica e; 3) Averiguar a possibilidade de o ENEM apresentar uma redação “neutra”.
Novamente faço uso deste espaço para escrever sobre o Movimento Escola Sem Partido. Um movimento que já deveria ter morrido, face as suas proposições.
A questão da redação do ENEM e o Escola Sem Partido
A redação do ENEM é avaliada a partir de cinco critérios. São eles:
- Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa
- Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das várias áreas do conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa
- Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista
- Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a argumentação
- Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos
O Movimento Escola Sem Partido, através do advogado Miguel Nagib, entende que o item 5 é tendencioso e subjetivo ao forçar o aluno seguir uma cartilha do governo de inspiração esquerdista. Entendem também que a escola brasileira tem sido um palco de doutrinação marxista usurpando o direito dos nossos alunos aprenderem as matérias escolares.
Os critérios da redação acima descritos servem para que os corretores contratados pelo INEP utilizem uma escala de 0 a 200 pontos para construir a avaliação sobre a redação. Porém, ainda que o candidato tenha 800 pontos, provenientes dos itens 1 a 4, caso ele desrespeite os direitos humanos, sua redação é zerada.
O Movimento Escola Sem Partido prega uma “neutralização” sobre a redação. Fico pensando, o que é ser neutro, diante de uma situação que desrespeita os direitos humanos, como é o caso da violência contra a pessoa, a intolerância religiosa ou a tortura?
Plano Nacional de Direitos Humanos e o Escola Sem Partido
O Plano Nacional de Direitos Humanos (a cartilha ideológica doutrinadora esquerdista, como aponta o Escola Sem Partido) é um documento que apresenta uma longa discussão sobre os direitos humanos (de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948) e indica objetivos estratégicos para atingir tais direitos. O documento pode ser conferido neste link: https://goo.gl/D7RQkg. Leia-o e tire suas conclusões.
O fato é que o Movimento Escola Sem Partido não é lá muito fã dos Direitos Humanos. Por vezes me pergunto se é falta de estudo ou se é má fé mesmo, a começar pelo seu maior defensor Miguel Nagib, que deveria ter maior clareza sobre o que são Direitos Humanos, liberdade, etc.
Nagib questiona o que o Governo Federal entende por “direitos humanos”, afirmando que ele “impõe uma série de assuntos controversos, como a defesa do direito ao aborto, questões relativas à identidade sexual, à relativização do direito à propriedade rural e ao controle dos meios de comunicação”. Longe de querer defender algum governo, eu questiono, novamente, o que o advogado entende por direitos humanos. Ao ler a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948 e ler o Plano Nacional de Direitos Humanos eu questiono se realmente não há má fé em suas declarações.
Fica claro que a parte do “Sem Partido” não existe. O que existe é o partido das ideias conservadoras. Ideias que sobrepõem pressupostos cristãos à liberdade do indivíduo.
A redação neutra e o Escola Sem Partido
Em vários momentos é possível identificar no discurso do Nagib, e de seus doutrinados, a suposta “neutralização da escola brasileira”. Novamente chamo a atenção para a impossibilidade de ser neutro diante de um problema. Cada indivíduo tem (ou deveria ter) a liberdade de escolher um lado da moeda. Obviamente que quando se fala no professor, o mesmo também deve ter tal liberdade. O que se espera do professor é que ele não imponha seu ponto de vista, mas que se permita que o mesmo possa emiti-lo.
O Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos NÃO diz que:
Toda pessoa, exceto o professor, tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras.
Em alguns momentos, Nagib afirma que “O candidato não é obrigado a concordar com a legislação brasileira, ele só não pode incitar ao crime”. Ora, novamente não sei se lhe falta clareza ou sobra má fé, uma vez que não é possível permitir que o candidato apenas não incite ao crime. Novamente convido-o a ler a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não se pode permitir o racismo, a invasão da privacidade, a tortura ou o trabalho infantil em detrimento de uma “liberdade de expressão”.
Para que você tenha maior clareza sobre os temas das redações do ENEM, segue abaixo a lista desde 1998.
LISTA DOS TEMAS DO ENEM
- 2016 1º aplicação CAMINHOS PARA COMBATER A INTOLERÂNCIA RELIGIOSA NO BRASIL
- 2016 2º aplicação – CAMINHOS PARA COMBATER O RACISMO NO BRASIL
- 2015 1º aplicação: A persistência da violência contra a mulher na sociedade brasileira
- 2015 2º aplicação: O histórico desafio de se valorizar o professor
- 2014 Publicidade infantil em questão no Brasil
- 2013 Efeitos da implantação da Lei Seca no Brasil
- 2012 O movimento imigratório para o Brasil no século XXI
- 2011 Viver em rede no século XXI: os limites entre o público e o privado
- 2010 O trabalho na construção da dignidade humana
- 2009 O indivíduo frente à ética nacional
- 2008 Escolha sobre uma, de três possibilidades, para manter a “máquina de chuva da Amazônia” funcionando (não houve propriamente um tema, como os outros)
- 2007 O desafio de se conviver com a diferença
- 2006 O poder de transformação da leitura
- 2005 O trabalho infantil na realidade brasileira
- 2004 Como garantir a liberdade de informação e evitar abusos nos meios de comunicação?
- 2003 A violência na sociedade brasileira: como mudar as regras desse jogo?
- 2002 O direito de votar: como fazer dessa conquista um meio para promover as transformações sociais de que o Brasil necessita?
- 2001 Desenvolvimento e preservação ambiental: como conciliar os interesses em conflito?
- 2000 Direitos da criança e do adolescente: como enfrentar esse desafio nacional?
- 1999 Cidadania e participação social
- 1998 Viver e Aprender
O Movimento Escola Sem Partido só atesta a falta de qualidade da escola brasileira. Já que, se a escola brasileira fosse de qualidade (ou tivesse sido em algum momento da história), esse movimento jamais teria nascido.
IVAN CLAUDIO GUEDES
Geógrafo e Pedagogo
[email protected]
Fontes de consulta:
- AGU impede Escola Sem Partido de obter liminar contra critério de correção do Enem
- ENEM: ESCOLA SEM PARTIDO QUER TIRAR DIREITOS HUMANOS DA REDAÇÃO
- Escola Sem Partido vai à Justiça contra exigência de redação do Enem
- Por um ENEM sem ideologia
GUEDES, I.C. Escola Sem Partido e a caça às bruxas. Gazeta Valeparaibana. Ed. 116. Ano X. Disponível em: http://www.gazetavaleparaibana.com/117.pdf; jul, 2017, p.10.