Publicado originalmente no Jornal Gazeta Valeparaibana, Junho de 2013 http://www.gazetavaleparaibana.com/067.pdf página9.
Para entendermos melhor o que quer dizer cada uma dessas palavras, temos que defini-las.
Educabilidade é a qualidade daquele que é educável. O ser humano possui educabilidade, ou seja, pode ser educado. Lembrando que a “educação” vai muito além da educação escolar, por isso são compreendidas: a educação formal, informal e não formal.
Educatividade é basicamente potencializar qualidades. A EDUCATIVIDADE na educação formal refere-se a potencializar no aluno, qualidades que ele porventura já tenha e que esteja disposto a melhorá-las. Pois, segundo Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia, é enfatizado que “nenhuma escola conseguirá fazer mais por um aluno do que a sua decisão pessoal de se desenvolver, de crescer, de aprender, de adquirir conhecimentos”. Daí, que se um aluno (entendendo como qualquer ser humano) não quiser aprender, não haverá mágica que o faça aprender.
Diante da apresentação desses conceitos e somando-se ao artigo publicado no mês passado “Porque o professor precisa estudar?” (http://www.gazetavaleparaibana.com/066.pdf – p.9), tem que se propor um novo eixo, pois a maioria das práticas pedagógicas escolares ainda trabalha no sentido da mera transmissão de conhecimentos e desta forma, nada acrescentam no desenvolvimento do aluno enquanto ser humano. Esse novo eixo deve ser comportamental e direcionado não só ao campo profissional, mas também ao campo pessoal. Eis que novamente chamamos a atenção para Zaballa (A prática educativa: como ensinar), quando trata da prática pedagógica dentro da aprendizagem de conteúdos Factuais, Conceituais, Procedimentais e Atitudinais.
Compreendemos que a educação escolar é uma via de mão dupla, ou seja, tem que haver um aluno para “aprender” e um professor para “ensinar”, para que o processo se complete, é necessário que o aluno apresente educabilidade, ou seja, seja maleável e permeável aos ensinamentos e também possua educatividade, quer dizer, desejo de aprender novos conhecimentos, bem como o professor deverá ter clareza do seu papel em sala de aula. Se assim não for, a escola, enquanto espaço de aprendizagem, nada poderá fazer. Como diriam os antigos, “é malhar em ferro frio”.
Esse processo, assim colocado, nos faz lembrar de uma notícia que havíamos comentado em um dos nossos programas sobre uma nova designação para o professor que seria o “designer de currículo”, este profissional não seria um mero transmissor de conhecimentos, mas seria uma espécie de tutor do aluno que então escolheria o que quer aprender. Isso vem de encontro ao que falamos de educatividade, ou seja, potencializar qualidades que promovam não só o lado técnico, mas também o humano.
Aliada à educabilidade, a educatividade faz todo sentido; é como dizemos na gíria popular “juntar a fome com vontade de comer”. Mas, claro nem tudo é um mar de rosas, e é evidente que não temos visto educabilidade e tampouco educatividade em nossos alunos, assim como também não é muito comum encontrar, grosso modo, o professor realmente consciente do seu trabalho. Ao contrário, o que vemos é uma total, ou quase total, indiferença em relação à escola e aos seus professores, e vice-versa. Por que essa apatia? O que diferencia essas gerações recentes de alunos das gerações passadas? Qual o papel do professor nesse processo?
Para tentarmos buscar algo que nos norteie, temos que necessariamente fazer um passeio pelas ideias de Platão onde ele junta numa amálgama, o filósofo, o educador e o político. Para Platão, esses três não podendo ser separados devem ser exercidos pela mesma pessoa, isto é, o filósofo educador tem que fazer política. Daí a pergunta inevitável – Quem em sala de aula, enquanto professor desenvolve ideias filosóficas e com isso, transforma o aluno em um ser político e pensador? Assim como a pergunta foi inevitável a resposta também o é: quase ninguém. E por quê?
Tentamos buscar resposta na filosofia liberal da educação em que a finalidade última: são os ensinamentos profissionalizantes e, desta forma, extinguiram a figura do professor filósofo, pensador e consequentemente político. As universidades por sua vez, ávidas em atender ao novo modelo educacional, nitidamente (neo) liberal, onde a produção é corroborada pelo capitalismo visceral, começam a produzir professores que venham de encontro aos interesses da sociedade, ou seja, se parou de pensar e fazer política em função do aumento de produção em que o país se viu inserido. Morre assim a figura do professor crítico, provocador, construtor, incentivador, transmissor de ideias e altamente político; consequentemente os novos professores passaram a produzir novos alunos que não criticam o sistema e tampouco fazem política.
Estão assim dissociados aquilo que para Platão seria indissociável, o educador filósofo e político. Vamos tentar estabelecer um parâmetro entre educabilidade, educatividade e os conceitos de educação redentora, educação reprodutora e educação transformadora, a fim de entendermos a nós mesmos enquanto professores.
Na corrente filosófica que entende a educação como redentora do ser humano tem-se o pensamento de que a educação pode e deve salvar o indivíduo e consequentemente a sociedade. A educação redentora é assim por dizer uma instância exterior à sociedade, buscando inserir o indivíduo nela, ou seja, promovendo sua adaptação ao modelo existente. Atua sobre a sociedade corrigindo seus desvios. Nesse modelo, a educação redentora, no máximo tenta “curar as mazelas da sociedade existente”, através da simples obediência aos mandamentos divinos. Não leva em conta a educatividade, pois o educando poderia não querer ser “salvo”. Considera as gerações mais novas (crianças) mais educáveis do que os adultos e nesse aspecto temos aí inserido o conceito de educabilidade no tocante às crianças.
A segunda corrente filosófica entende que a educação está inserida na sociedade, faz parte dela. Estaria assim condicionada a fatores econômicos, sociais e políticos. A educação reprodutora é crítica e reproduz seus elementos condicionantes (LUCKESI, C. C. Filosofia da Educação, p. 41). Essa teoria também é denominada por Demerval Saviane como “teoria crítico – reprodutivista”. Traz ainda em seu bojo o modelo marxista de infra estrutura e supra estrutura, conforme Althuser. Desta maneira, silenciosamente a escola reproduz o ideologismo do Estado. O Estado usa a educação/escola para reproduzir os valores necessários para a própria sobrevivência da sociedade. Utiliza-se da Educabilidade dos mais novos e introduz para os adolescentes o ensino profissionalizante. Extinguindo dessa forma os dois cursos existentes, o Clássico e o Científico. Perde aí o jovem a possibilidade de escolher ou decidir o que gostaria de fazer. A Educatividade, de certa forma, é introduzida com os cursos profissionalizantes, pois oferece aos jovens a oportunidade de melhorar suas habilidades ou então adquirir habilidades para o exercício de uma profissão.
Na terceira corrente filosófica, (cf. LUCKESI) é a aquela em que a educação é vista como um agente transformador da sociedade, tendo como perspectiva a mediação de um projeto social. Nesta proposta a educação não é um fim, mas um meio.
Uma maneira de realizar um projeto de sociedade. Sendo assim, Ela irá se adaptar segundo o modelo de sociedade vigente num determinado momento. Para que seja transformadora é necessário que os educandos tenham atingido uma determinada autonomia intelectual. Para que esse nível seja atingido é necessário que o aluno seja respeitado na sua educatividade (consideramos que ele tenha a educabilidade necessária), ou seja, para que o aluno seja um agente transformador é necessário que ele, de posse de suas habilidades, queira aprimorá-las criando nele a autonomia requerida no processo transformador. Nesse sentido, entendemos que o professor também o deve ser, pois não dá para ensinar o que não se sabe. Não da para querer transformar um aluno e o “eu” não for transformado primeiro.
A educação, qualquer que seja a corrente filosófica, nada conseguirá se não houver o real interesse em aprender. A educabilidade advém, segundo nossa opinião, dos ensinamentos recebidos em casa, da docilidade do lar e dos pais. A educatividade terá que ser estimulada a partir de um determinado momento em que se perceba as habilidades natas do aluno e de seu interesse em desenvolvê-las. Para tal é necessário que o professor esteja apto a descobri-las e a escola seja condizente com uma determinada escolha. É necessário libertar o aluno do jugo desnecessário de informações cristalizadas pelo tempo. Proporcionar projetos em que ele se sinta útil, incutir neles a ideia de que podem se quiserem, fazer a diferença.
Projetos que contemplem o respeito, a cidadania, o conhecimento, a socialização. Desta maneira, afirmamos nosso compromisso com a corrente transformadora da sociedade, pois é possível transformar o indivíduo e consequentemente a sociedade. Pois como dizia Florestan Fernandes “feita a revolução nas escolas, o povo a fará nas ruas”.
Omar de Camargo
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– Técnico Químico
– Professor em Química.
– Pós Graduado em Química.
Ivan Claudio Guedes
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– Geógrafo e Pedagogo. Especialista
em Gestão Ambiental, Mestre em Geociências e doutorando em Geologia.
– Articulista e palestrante.