Publicado originalmente no Jornal Gazeta Valeparaibana, p. 9. http://gazetavaleparaibana.com/068.pdf
As manifestações em torno do aumento da passagem de ônibus pelo Brasil vêm demonstrando a insatisfação da população com o atual sistema de governo. O problema não vem sendo somente em torno do aumento,
mas sim de um problema mais profundo: o sistema de coronelismo no Brasil.
Historicamente, o sistema político sempre foi controlado pelo topo da pirâmide, ou seja, pela elite brasileira.
O tempo passou e a história do sistema político de “capitanias hereditárias” não mudou: a elite continuou no poder. Após a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, muitas águas rolaram: escolas foram abertas, a tecnologia entrou no país, novos mercados de trabalho foram abertos, o ensino superior cresceu, o consumo aumentou e tudo isso resultou na formação de uma nova classe média. A classe média, em termos vulgares, funciona como se fosse um sanduíche: é pressionado pelo pão de cima, e está em constante contato com a fatia do pão de base, ou seja, a classe trabalhadora baixa, o “povão”. Entretanto, como toda nova classe média, essa começou a se escolarizar e cobrar maiores benefícios do sistema público. Começaram cobrar melhores prestações de serviço e também passaram a querer participação política.
No final do século XX despontaram intelectualmente personagens como Betinho, Florestan Fernandes, Paulo Freire, Caio Prado Jr., Milton Santos, Demerval Saviani e outros que influenciaram e influenciam a formação de professores críticos e ativos politicamente. Esses novos professores, também muitas vezes oriundos dessa nova classe média, começaram propagar as ideias de liberdade política e de justiça social.
Durante os primeiros anos do século XXI, vivenciamos a formação dessa nova classe média. É verdade que baseado no consumo fácil e exacerbado, boa parte dela procurou também sua intelectualização, começaram a ler mais, a ter mais opinião e consequentemente, cobrar mais do sistema público. O desenvolvimento tecnológico, principalmente no que diz respeito ao chamado “Meio Técnico Científico-Informacional” e o “fácil” acesso aos novos meios de comunicação permitiram que a troca de ideias e a produção de novas ideias fosse acelerada e que pudesse chegar a qualquer lugar, pois bem, é o que estamos vivenciando.
Ainda que possamos estar vivenciando um novo capítulo da nossa história, ela começou a ser escrita. Escrita pela nova classe média, acompanhada daqueles que almejam também fazer parte dessa nova classe média (intelectual ou financeira), mas a voz, o grito ainda não chegou nas massas, na maioria da população.
O nó na garganta ainda não se faz presente em muitas camadas da nossa sociedade, e é justamente neste ponto em que se faz necessária a atuação do professor enquanto um ótimo instrumento modificador da sociedade. Pregamos a formação de um professor progressista, crítico e intelectualmente autônomo. Um professor politicamente atuante. Um professor que possa trazer à tona a vida do sujeito para sala de aula, e não simplesmente que cumpra cegamente um currículo ou um conteúdo que é “apoliticamente” induzido através das orientações curriculares oficiais dos sistemas de ensino, sejam eles: Federal, Estaduais ou Municipais.
Novamente trazemos a discussão do ensino da política para sala de aula, em forma de disciplina específica.
Muitos professores e intelectuais acreditam que as disciplinas de História, Geografia, Sociologia e Filosofia deveriam fazer, e que não haveria necessidade de se incluir mais uma disciplina, mas diante de uma pesquisa empírica com várias escolas, vários docentes e mediante a análise de vários currículos, o que constatamos é que não o fazem.
Não fazem por estarem amarrados a um currículo predeterminado (através dos Parâmetros Curriculares Nacionais e/ou normas e decretos legislativos estaduais ou municipais) que amarram também os autores de livros didáticos e manuais de ensino para que escrevam como o sistema público “propõe”, ou porque simplesmente não detêm o devido conhecimento para fazê-lo.
É nesse sentido que propomos há algum tempo o ensino de Ciência Política na escola básica (http://
www.politicanaescolabasica.blogspot.com.br). Colocar como disciplina escolar, em um currículo, o ensino da legislação, das devidas funções do poder público, das diferenças entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, do que pode ou não pode um representante da população, enfim, do que é a política.
Acreditamos piamente que essa nova conscientização política é um reflexo daqueles que escreveram a duras penas e pregaram aos quatro ventos a libertação do povo brasileiro (sobretudo durante os anos de ditadura militar). Se Paulo Freire, Caio Prado Jr., Milton Santos e tantos outros ainda estivessem vivos estariam orgulhosos em saber que seus trabalhos renderam resultados satisfatórios. Mas ainda há muito que fazer.
É preciso fazer o “nó na garganta” chegar às camadas mais populares e “abrir os olhos” para que o cabresto imposto pelo populismo e pelas políticas de assistencialismo recentes esteja presentes em todos os segmentos da sociedade. Aí sim teremos uma nova revolução, consciente, crítica e politicamente participativa. Teremos novos tipos de candidatos às eleições, novos tipos de partidos políticos e quiçá o fim do sistema de coronelismo e feudalização do Sistema Público brasileiro, em que a corrupção impera e a impunidade é regra.
O gigante está acordando, mas ainda não se levantou por completo, é necessário que o relógio despertador continue tocando.
E não é por causa de R$ 0,20.
* Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo. Especialista em Gestão Ambiental, Mestre em Geociências e doutorando em Geologia.
Articulista e palestrante.
[email protected]
* Omar de Camargo
Técnico Químico
Professor em Química.
Pós-Graduado em Química.
Para referenciar este artigo:
GUEDES, I.C.; CAMARGO O. O gigante acordou: E não foi por causa de R$ 0,20. Gazeta Valeparaibana. Ed. 68. Ano IV. Disponível em: http://gazetavaleparaibana.com/068.pdf. Julho, 2013. p.9.