BÔNUS: MÉRITO PARA UNS E DEMÉRITO PARA OUTROS.
Secretaria de Educação de São Paulo anuncia bônus para 230 mil servidores, só que não!
Bônus para os professores é sempre motivo de discussão! Todo ano, quando sai o resultado do IDESP (Índice de Desenvolvimento da Educação do Estado de São Paulo), que visa parametrizar o ensino em São Paulo, nos deparamos com algo que nos parece, no primeiro olhar, justo e coerente, afinal, é justo que as escolas que atingem suas metas recebam bônus pelo belo trabalho docente realizado no decorrer do ano anterior. Entretanto, fazendo uma análise fria e tendo em mente que sempre, assim como uma moeda, tem dois lados, verificamos que no caso do bônus, instituído pela Lei complementar nº 1078 de 17/12/2008 pelo ex-governador José Serra, temos duas óticas. Uma visão do lado daqueles que se julgam merecedores de tal bônus e outra que é do lado daqueles que não conseguiram. Do lado daqueles que conseguiram alcançar as metas pré-estabelecidas pelo governo não há muito que discutir, estão embasados pela lógica mercadológica do ensino e são merecedores (conforme Delors, Ioschpe, Azevedo, editoriais da Folha, Estadão e por ai vai). Porém, do lado daqueles que não obtiveram sucesso, seja qual for o motivo fica a pergunta: Será que todo esforço foi em vão? Será que os professores não se empenharam o suficiente, ou não são competentes? Será que os critérios para compor o IDESP e o bônus são coerentes?
Evidentemente, pelo olhar do governo, o não pagamento de bônus já é uma penalidade pela incompetência em atingir as metas. É justo isso? Sob o olhar meritocrático podemos adiantar que recebem bônus aqueles que conseguiram atingir a meta, mas sob um olhar mais humano, talvez até complacente, podemos arriscar que não é tão simples assim atingir tais metas, pois nas escolas que não atingiram as metas temos pessoas competentes, que se esforçaram, mas que por razões mil não conseguiram (neste curto espaço será impossível destrinchar todas as variáveis que envolvem o dia a dia de uma escola – entretanto temos várias discussões em diversos outros artigos) e não existe como medir o esforço individualizado do profissional, e é aí que está o nó da situação. O bônus, além de verificar se o aluno tirou uma boa nota, se a escola teve ou não um fluxo exagerado de alunos (os quais podem ir e vir da escola por razões imponderáveis para a Direção), deveria de alguma forma medir o trabalho individual do professor.
Não se observa, por exemplo, se ele desenvolveu trabalhos diferenciados e efetivos com seus alunos, por exemplo, de iniciação científica. Projetos que poderiam ser levados em conta tais como trabalhos interdisciplinares, transversais e até estudos do meio. Não se analisa o professor individualmente e temos ciência de que tais critérios aqui levantados, realmente não fazem parte desta modalidade de avaliação do IDESP.
Estamos cogitamos enfim é que, de alguma forma, a política de bônus é altamente prejudicial quando se avalia um grupo (escola) justamente por conta das diversas variáveis que se fazem presente na dinâmica de uma escola. Vale lembrar que nem todos os professores, diretores, coordenadores, funcionários e alunos estão lá com o objetivo de ensinar-aprender e trabalhar com seriedade. Cogitamos que todas as individualidades do profissional pudessem ser levadas em consideração para contar pontos e acabar realmente premiando o esforço do profissional (ainda que, no limite, continuamos contra essa política de meritocracia na educação).
Entendemos que tais peculiaridades poderiam servir como uma maneira de incentivar o engajamento do trabalho docente, já que o sentido do bônus, dado pelo governo, é este. Afirmamos isso porque sentimos que, da maneira que está sendo computado e aplicado, o bônus quando não é pago para aqueles que se esforçaram, mas não conseguiram, age como se fosse um banho de água fria, gerando o desânimo em vários professores chegando ao ponto de desistir de tentar, para o próximo ano, atingir tais metas.
Em outros dois momentos discutimos a questão da meritocracia a partir do bônus. Nos artigos “SARESP, indicador de qualidade ou paranoia pedagógica” publicado na Gazeta Valeparaibana de novembro/2012 e, “SARESP, indicador de qualidade ouparanoia pedagógica parte II” publicado no mesmo jornal em março/2013, iniciamos a discussão abordando o quanto tal política publica pode ser prejudicial em torno do processo pedagógico. Recomendamos a leitura destes dois textos, caso você ainda não os conheçam.
Colocamos essas preocupações do ponto de vista do professor, mas temos também que levar em conta que o aproveitamento dos alunos não depende única e exclusivamente do esforço do professor. Um dos pontos que podemos apresentar, neste momento, é sobre a concepção de que muitos alunos não são estudantes, como diria nosso saudoso professor Pierluig Piazzi. Muitos são apenas alunos, estão lá para assistir aulas, mas não para estudar. Não se esforçam para melhorar e em alguns casos os pais até corroboram essa atitude irresponsável inquirindo o professor porque passou dever para casa sendo que eles (pais) não têm tempo para ajudar o aluno. Temos então, uma situação extremamente ingrata e até mesmo vexatória para aqueles profissionais que tentaram, mas não conseguiram. Onde está o fiel dessa balança?
No ano de 2015 o governo de São Paulo destinou R$ 1 bilhão para ser distribuído a título de bônus. Porém, apenas para cerca de 19,8 mil servidores, num universo de 232 mil, serão contemplados com bônus, ou seja, apenas 8,5% dos servidores. Será que a rede é tão incompetente assim? Segundo a concepção de meritocracia, esses 8,5% podem ser classificados como competentes. Os demais, 92,5 % serão taxados de incompetentes? Não nos parece verdade e tampouco justo.
Em 2007-2008 a cidade de Nova York (Estados Unidos da América) implantou e manteve durante três anos, um programa de bônus para os professores visando à melhoria da qualidade do ensino. Para a surpresa dos pesquisadores isso não foi o suficiente para mudar a situação. As condições necessárias para motivar os professores, tais como compreensão, critérios para cálculo do bônus e o alto nível de pressão de accountability (algo semelhante à transparência) enfrentado pelas escolas levaram ao encerramento do programa e mesmo assim, com resultados insípidos, no país de origem, o governo estadual de São Paulo resolveu aplicar a mesma sistemática.
A verdade é que desde 2008 esse projeto é natimorto. Só nossos governantes não viram ainda e tentam de alguma maneira, no mínimo, torna-lo um zumbi ou algo que justifique tanto dinheiro sendo desperdiçado e que poderia muito bem reverter sob forma de valorização permanente do profissional. Via de regra, apoiamos o fim desta política de “bônus” em troca de uma política de valorização do magistério a partir de evoluções funcionais pela produtividade dos seus funcionários.
O professor tem que ser valorizado e entendido, como realmente ele é. Um corpo docente, uma categoria única de profissionais, que mesmo ganhando insuficiente percorre, muitas vezes, quilômetros até chegar ao destino. Destino esse, que são salas de aula precariamente montadas, muitas vezes sem sequer com giz ou mesmo uma simples lousa decente, onde muitas vezes se alimenta junto aos seus alunos, pois não tem dinheiro para voltar para sua casa e fazer o seu almoço ou seu jantar. São esses profissionais, que se emocionam quando vêm seus alunos passarem num exame de vestibular, ou conseguirem um bom emprego às duras penas. São esses profissionais que os governos que se revezam ou se perpetuam no poder, através dessa política de bônus, rotulam de despreparados, quando não de incompetentes. Mas, nos parece que a incompetência é daqueles que insistem em usar um modelo falido, morto no próprio berço.
Omar de Camargo
Técnico Químico
Professor em Química
Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo
Para referenciar este artigo:
CAMARGO, O.; GUEDES, I.C. Bônus: mérito para uns e demérito para outros?. Gazeta Valeparaibana [online], São José dos Campos, 01 abr. 2015. Espaço Educação. Disponível em: http://gazetavaleparaibana.com/089.pdf Acesso em 06 abr. 2015.