A LENDA DO VERBO E DA VERBA
Como o dinheiro público para a educação é tratado.
Num reino muito , muito distante da realidade que vivemos, havia dois amantes. Eram eles, o Verbo e a Verba. O Verbo sempre galante, falava como ninguém. Gabava-se de ser sempre utilizado por todos, principalmente os poderosos da corte e seus prosélitos.
Já a Verba, por outro lado, era calada. Sempre que alguém falava dela era com descaso.
– Não há Verba, ou não temos verba.
Verba? Que verba? O orçamento não permite. O orçamento era o pai da Verba, sempre impondo limites àquela moça, mas ele também não era uma pessoa confiável, apesar se parecer como tal.
Coitada, moça ingênua. Quase todos a queriam desesperadamente.
Apesar do Verbo ser acessível a todos e sempre utilizado por muitos, ele era mal entendido por aqueles que não possuíam grande conhecimento, a grande maioria, e por isso mesmo eram enganados pelos poderosos daquele reino tão distante da realidade.
Certa feita, o Verbo fora muito utilizado por aqueles que sempre enganam e se utilizam da falácia, ficou tão desgastado que quase ninguém mais confiava nele. Por mais que se usasse o verbo, a plebe não mais conseguia engolir tantas falcatruas.
– De novo? Outra vez? Assim não é possível. Era só isso que se ouvia falar no reino.
A situação estava ficando insuportável para o Verbo e ele, numa dessas escapadas para encontrar-se com a Verba, desabafou:
– Não aguento mais! Estão me usando para enganar o povo! Não sei o que fazer. Me usam até para explicar porque você, quando é destinada a algum lugar, nunca chega por completo. Sempre está mal arrumada, às vezes até faltando. A verba, por sua vez, submissa e crédula em dias venturosos afagava o
ego do Verbo, na esperança de que, um dia os dois pudessem conviver juntos.
Ele sendo usado para expressar a verdade e ela sendo usada adequadamente pelos seus compatriotas.
A lenda que criamos acima serve para ilustrar o que vivemos com a distribuição e destinação das verbas para nossas escolas. Temos discutido incessantemente no programa “E AGORA JOSÉ?” sobre os problemas de verbas, seja nos âmbitos federal, estadual ou municipal. Até que o dinheiro chegue à escola, muita gente já o manuseou e ,como sabemos, é aí que o perigo mora. A corrupção e o desvio de dinheiro público é algo tão arraigado nos governos que fica difícil não acreditar que não exista.
Muito se tem falado e preconizado de que, 10% do PIB (Produto Interno Bruto),seria o índice necessário para que a educação no país atinja níveis de excelência. Nós não acreditamos nisso porque o que vivenciamos dentro da escola, e observamos nos bastidores é na verdade mau gerenciamento do dinheiro público.
As escolas têm inúmeras necessidades e bem poucas são satisfeitas pelas verbas que chegam até elas. Todas as verbas têm destino certo e nem sempre esse destino, diga-se de passagem, determinado por aqueles que não vivem a escola, é o que a escola precisa. Só para ilustrar, vamos supor que a escola esteja
com vazamento de esgoto e a escola receba uma verba para pintura da escola. Se o diretor utilizar a verba da pintura para arrumar o esgoto, ele responde por improbidade administrativa e é obrigado a devolver o dinheiro para o governo.
Entretanto, é nesse exemplo que se abrem as enormes possibilidades de que a direção de uma escola, apesar de não querer fazer, acabe se utilizando expedientes pouco recomendáveis. Diante de uma necessidade preeminente como a do exemplo citado a equipe gestora acaba direcionando aquela verba para outro destino e dar-se início à compra de notas fiscais frias.
Estamos falando, na verdade, de coisas corriqueiras, do dia-a-dia. E o que acontece nos altos escalões, “em surdina”? Se todo o dinheiro destinado à educação fosse de fato, moeda a moeda, aplicado na educação, mediante a real necessidade da escola e à prestação de contas pelo serviço efetivamente concretizado, a realidade seria outra.
Recentemente vimos chegar (não é para todas) nas escolas da rede pública estadual paulista, impressoras de alta produtividade em regime do OUTSOURCING, ou seja, uma empresa coloca as impressoras, tonner e papel nas escolas. Sendo também responsável pelo envio de tonner papéis e também pela manutenção das impressoras. Acreditamos que isso não fica nada em conta, mas mesmo assim queremos acreditar que seja mais barato do que o sistema atual, em que a verba é repassada às escolas para que elas comprem suas impressoras, papéis e tonner. Atualmente toda a parte de papelaria é comprada de firmas
previamente determinada pela Secretaria de Educação e pela FDE (Fundo de Desenvolvimento da Educação) e, pasmem, paga-se o DOBRO DO VALOR de mercado por qualquer insumo. Está lá no site
dessas empresas, é só verificar. Quando telefonamos para essas empresas com dúvidas ou procurando algum produto específico, somos direcionados a um departamento que cuida só das escolas.
Tivemos a curiosidade de ligar como um consumidor qualquer e perguntar o preço de uma coisa qualquer e depois como funcionário de uma escola. Bem, não é preciso dizer que os preços foram diferentes.
Quantas vezes abrimos os noticiários e vemos “indícios de corrupção na verba da merenda”? Quantas vezes vemos chegar livros de pouca importância para os alunos e para os professores de uma determinada editora que, coincidentemente, através das suas terceirizadas doaram quantias substanciais a determinados partidos políticos?
O que achamos interessante é o fato de que, nos bastidores da educação, todas as pessoas do alto escalão sabem que isso acontece e como acontece. Gostaríamos que houvesse transparência de quanto chega de verba para escola e como a escola gasta esse dinheiro. Mas, sobretudo, gostaríamos que as escolas tivessem liberdade para comprarem o que precisam de qualquer lugar, obviamente que mediante emissão de
nota fiscal e acompanhamento sistemático da Associação de Pais e Mestres (APM).
Enquanto questões simples como essas não forem solucionadas, a LENDA que apresentamos acima, deixará de ser a REALIDADE para ser apenas, de fato, uma LENDA.
Omar de Camargo
Professor Especialista em Química
Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo.
Publicado em http://www.gazetavaleparaibana.com/055.pdf