A ANHANGUERA E A VENDA DE DIPLOMAS
Recentemente viralizou nas redes sociais uma propaganda da Anhanguera que induzia o leitor a complementar sua renda como professor. Para isso bastaria realizar o curso oferecido pela instituição.
Nas redes sociais, sobraram críticas à campanha publicitária. Mesmo após a retirada do anúncio, as críticas continuaram. A princípio a frase “torne-se professor e aumente sua renda”, não caiu bem. Até porque quem é professor de carreira sabe que não é bem assim que funciona.
Em nota a Anhanguera afirma que: “Erramos. Nós, da Anhanguera, pedimos desculpas pela mensagem equivocada sobre a função e a importância dos professores. A campanha de marketing que causou mal-estar não representa o que nós, como instituição de ensino acreditamos, e foi retirada do ar. Nossa intenção com o curso de Formação Pedagógica é incentivar que profissionais já formados possam ter também essa habilitação e contribuir para a resolução do déficit de professores que o Brasil enfrenta. Acreditamos que, promovendo a docência, temos o caminho para o desenvolvimento social e econômico do país. Por fim, esclarecemos que, esta campanha, em específico, não foi submetida à análise prévia do Luciano Huck e de sua equipe”. Cabe ressaltar que esta nota foi extraída do site https://goo.gl/WCVKbu e que, oficialmente, não localizamos esta nota no site da instituição.
Venda de diplomas no Brasil
Ainda que, como já dito, não tenhamos localizado a nota oficial da Anhanguera (de forma com que se prove a autoria da mesma), não é preciso muito esforço para entender a massificação dos diplomas no Brasil. Infelizmente, para muitos, vale muito mais um diploma do que o conhecimento.
É importante deixar bem claro que este tipo de comércio existe porque há consumidores. Isto é, se a empresa oferece um produto de baixa qualidade, oferece porque há pessoas interessantes e dispostas a pagar por este produto. Neste caso, há alunos-clientes interessados. É a lei do mínimo esforço para obter vantagem. Nesta situação, conseguir um emprego (ou um bico).
Não pretendo tratar aqui da relação qualidade x quantidade e creio que mediante as observações de um olhar um pouco mais atento, fica evidente a falta de qualidade por aqueles que se formam em regime de “pastelaria”. O que presenciamos são professores de Língua Portuguesa que não sabem fazer uso correto da vírgula, professores de Geografia que não conseguem realizar uma análise sobre o espaço ou uma leitura de um mapa. Advogados que não conseguem interpretar um texto ou se expressar diante de um público. Médicos que esquecem o bisturi dentro do paciente. Engenheiros que erram o cálculo e o prédio cai, etc.
Um mercado prolífero
A venda de diplomas no Brasil se tornou um mercado muito prolífero. Na ansiedade de se obter uma certificação, muitos optam pelo menor esforço. Quanto menos aula, menos tarefas e menos estudos, melhor (e para citar um colega que obviamente não iremos expor, diria sem o menor pudor, “quanto menas…” . Quanto mais rápido o diploma for expedido, melhor. Neste contexto se forma um exército de “diplomados sem conteúdo”, uma massa que vai servir para subempregos (públicos ou privados). Uma massa que encara a profissão de professor como um bico.
Na segunda metade do século XIX, Karl Marx cunhou o conceito de “Exército industrial de reserva”. Este conceito se reflete sobre o desemprego estrutural, em que a força excedente do trabalho (os desempregados aptos ao emprego) é estrategicamente necessária para que possa haver a inibição sobre as reinvindicações trabalhistas e o rebaixamento dos salários. Em tempos de crise, como o que estamos vivendo, a crença no livre emprego e na livre negociação trabalhista atesta o quanto o conceito de “Exército industrial da reserva” é latente e presente.
Plano Nacional de Educação
Outra parte importante deste anúncio se trata da denúncia sobre a prática da venda de diplomas no Brasil. Nas últimas duas décadas a quantidade de brasileiros diplomados no Ensino Superior aumentou muito. As políticas de financiamento do Ensino Superior, abertura de universidades e faculdades públicas e a política de bolsas em instituições privadas fizeram com que o Brasil saltasse de 16,5% da população de 18 a 24 anos matriculadas no Ensino Superior para 34,6% em 2015. De acordo com o Plano Nacional de Educação, a meta para 2024 é de 50%. Ou seja, é um fantástico mercado para ser explorado.
No site do Observatório do Plano Nacional de Educação é possível verificar a meta 15, que trata da Formação de Professores. No painel de indicadores da meta, observamos que em 2007 68,4% dos professores da Educação Básica tinham Ensino Superior. Em 2016 a porcentagem passou para 77,5%. A meta para 2024 é atingir 100%.
Sendo assim, o mercado de Ensino Superior apresenta um campo profícuo para as grandes corporações que contam com reserva financeira, financiamento próprio, currículos flexíveis, utilização de EAD e uma série de outras “vantagens” (entre muitas aspas) que detonam com qualquer faculdade séria de pequeno ou médio porte e formam alunos (entregam diplomas) na base da baciada. Repetimos: este mercado só existe porque há mercado consumidor. Na ansiedade de se obter um diploma para angariar “umas aulinhas”, a busca por esses cursos é imensa.
Lei de Gerson (o jeitinho brasileiro)
O que se percebe é que isso se trata da legalização do ilegal. Ou seja, a venda de diplomas é sumariamente proibida, porém, com um curso de seis meses ou mesmo um ano, de um curso que dura no mínimo três (e é pouco), eles (empresários da educação) enchem “a burra” de dinheiro e lançam no mercado profissionais “meia-boca”. Esses profissionais, se é que podemos chamá-los assim, voltam ao mercado educacional e na melhor das hipóteses (ou pior, não sabemos) são admitidos em escolas públicas e privadas (de qualidade duvidosa) e com seus parcos conhecimentos e falta de empenho acabam “parindo” alunos analfabetos funcionais. Percebe-se aí um ciclo vicioso de má educação que as políticas educacionais (e partidárias) teimam em perpetuar: Visam apenas, e tão somente, a criação de um “exército industrial de reserva”.
E, de quebra, ainda temos que engolir que Marx não deveria ser cogitado em aulas, pois “trata-se de uma doutrinação marxista, leninista, stanilista, petista, venezuelana, cubana”. Balela, nada mais, pois a escola é um espaço reflexivo, onde se debate ideias e o conhecimento advém da dialógica, das diferenças respeitadas. Lembramos que muitas vezes já discutimos a ideia de que nossos planos educacionais são uma verdadeira colcha de retalhos que toma um novo rumo a cada período eleitoral e por causa disso nunca chegamos ou chegaremos a um porto seguro. Obviamente, um professor mal formado vai trabalhar pela lei do mínimo esforço. Isto é, aceitando que a reflexão, a análise e a crítica são coisas de comunistas, e o que vale mesmo é o cumprimento de cartilhas.
Pois é…
No fundo, no fundo (nem tão fundo assim), a publicidade da Anhanguera não está errada. Só está reproduzindo o que acontece na prática.
Ivan Claudio Guedes
Geógrafo e Pedagogo
Omar de Camargo
Professor de Química.
GUEDES, I.C.; CAMARGO, O. Anhanguera e a venda de diplomas. Gazeta Valeparaibana. Ed. 117. Ano X. Disponível em: http://www.gazetavaleparaibana.com/118.pdf; ago, 2017, p.10.
VEJA O VÍDEO ABAIXO
VEJA TAMBÉM O VÍDEO ABAIXO, EM QUE DISCUTO SOBRE O “NOTÓRIO SABER”
Excelente texto e raciocínio sobre o problema na formação de professores. Além dos candidatos a serem “professores” de forma fácil e rápida, deixando de lado a qualidade do curso, existe o lado de quem contrata (publica e/ou privada) de forma indiscriminada que se preocupa mais com um “babá” para tomar conta das crianças (ou adolescentes) ao invés de promover uma seleção que de fato perceba a formação minima e de qualidade do professor. Abs
Muito obrigado pelas palavras, Dr. Bifi.
Infelizmente vivemos tempos mercadológicos difíceis.
Precisamos discutir mais sobre este assunto.
Um forte abraço
Quero comprar um diploma de física reconhecido pelo mec
Sugiro frequentar uma faculdade, fazer o curso e ter o seu diploma.